Crédito, Reuters
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- Author, Jonathan Head
- Role, Correspondente da BBC News no Sudeste Asiático
Camboja e Tailândia têm um histórico de conflitos ocasionais.
Os dois países compartilham uma longa fronteira coberta por floresta com áreas reivindicadas por ambos os lados. Já houve trocas de tiros sérias no passado – em 2008 e 2011, confrontos deixaram 40 mortos.
No entanto, esses episódios foram rapidamente contidos.
Mesmo recentemente, em maio, após um incidente em que um soldado cambojano foi morto, os dois lados mostraram interesse em evitar mais violência, com reuniões entre comandantes do exército de cada país para reduzir a tensão.
Mas, na última quinta-feira (24/7), a situação explodiu.
Pelo menos 33 soldados e civis já foram mortos, enquanto milhares de tailandeses e cambojanos foram deslocados desde que os combates começaram.
Neste sábado (26/7), o presidente dos EUA, Donald Trump, disse que manteve conversas com os líderes dos dois países, que estariam buscando um “cessar-fogo imediato” após os confrontos na fronteira.
O primeiro-ministro interino da Tailândia, Phumtham Wechayachai, confirmou “que, em princípio, o lado tailandês concordou com o cessar-fogo”.
Mas por que este confronto de fronteira – que começou depois que cinco soldados tailandeses ficaram feridos na explosão de uma mina terrestre na quarta-feira (23/7) – se transformou em algo muito maior?
As relações entre os dois países se deterioraram bruscamente no mês passado, quando o líder sênior do Camboja, o ex-primeiro-ministro Hun Sen, causou grande constrangimento à primeira-ministra tailandesa Paetongtarn Shinawatra ao vazar uma conversa telefônica entre eles sobre a fronteira em disputa.
Na conversa, Paetongtarn o chamou de “tio” e criticou um de seus próprios comandantes militares, provocando indignação pública. Desde então, ela foi suspensa do cargo de primeira-ministra, e a Corte Constitucional da Tailândia está analisando uma petição por sua destituição.
Não está claro por que Hun Sen decidiu fazer isso, rompendo uma relação pessoal próxima entre suas famílias que já durava décadas.
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Muitas pessoas criticaram Paetongtarn pela conversa que teve com Hun Sen. Ela parecia acreditar que poderia resolver as diferenças apelando para a amizade dele com seu pai, o ex-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra.
No passado, essa amizade foi usada pelos opositores de Thaksin para acusá-lo de colocar os interesses do Camboja acima dos da Tailândia.
Em 2014, quando um governo liderado pela irmã de Thaksin, Yingluck, foi deposto por um golpe militar, Hun Sen permitiu que dezenas de seus apoiadores buscassem refúgio no Camboja.
Os dois países também cooperaram em áreas mais obscuras.
Em novembro passado, a Tailândia enviou seis dissidentes cambojanos, junto com uma criança pequena, de volta ao Camboja, onde foram imediatamente presos. Todos haviam sido reconhecidos pelas Nações Unidas como refugiados.
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Em 2020, um jovem ativista tailandês que havia fugido para o Camboja, Wanchalerm Satsaksit, foi sequestrado e desapareceu, presumivelmente pelas mãos de agentes tailandeses.
E o assassinato à luz do dia, em janeiro, de um líder da oposição cambojana no centro de Bangkok, na Tailândia, também foi visto pelos ativistas como resultado desse entendimento entre os serviços de segurança dos dois países.
Nesse contexto, o vazamento da conversa de Paetongtarn pegou aparentemente a família Shinawatra completamente desprevenida.
As reações tanto de Thaksin quanto de Paetongtarn revelam um sentimento de traição. Isso levou a uma guerra de palavras cada vez mais amarga entre os dois países.
Mas não são apenas palavras.
A polícia tailandesa também começou a investigar figuras empresariais poderosas do Camboja, supostamente ligadas a jogos de azar e centros de golpes clandestinos, enquanto o comércio entre os países, que vale bilhões de dólares por ano, foi interrompido.
Na própria fronteira, há um risco elevado de confrontos mais sérios entre os dois exércitos.
Mas, em vez de recuar, Hun Sen, do Camboja, parece ter aproveitado a oportunidade para intensificar a retórica contra a Tailândia e a família Shinawatra, em particular.
Ele afirma possuir documentos secretos que incriminariam Thaksin – documentos que, segundo ele, poderiam até provar que o ex-premiê insultou a monarquia tailandesa, uma ofensa que acarreta uma pesada pena de prisão na Tailândia.
O governo tailandês respondeu expulsando o embaixador cambojano na quarta-feira e convocando seu próprio enviado, preparando o terreno para o mais recente confronto.
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Em ambos os países, falta uma liderança com força e confiança para ceder.
A atual primeiro-ministro cambojano, Hun Manet, é filho inexperiente de um antigo líder autoritário – Hun Sen,
Do lado tailandês, o governo do partido de Thaksin lidava com uma economia estagnada e sofre com a ameaça de tarifas punitivas dos EUA. Não pode se dar ao luxo de mostrar fraqueza ao enfrentar o Camboja.
O Camboja também enfrenta uma economia debilitada.
Nunca se recuperou totalmente da pandemia, e o turismo — pilar de sua economia — foi prejudicado pela ausência de visitantes chineses, que evitam o país com medo de serem sequestrados e forçados a trabalhar em centros de golpes.
E — assim como na Tailândia — agora há a ameaça de tarifas punitivas dos EUA que impactam ainda mais a economia.
Mas ambos os países têm políticos experientes, como Hun Sen e Thaksin, que quase certamente poderão, quando estiverem prontos, encontrar uma saída para isso.
O que permanece um mistério até agora é por que Hun Sen decidiu romper essa amizade e inflamar esse conflito.
Talvez tenha sido a decisão da Tailândia de pressionar os centros de golpes este ano, ou a ambição de Thaksin de legalizar o jogo, ameaçando a lucrativa indústria de cassinos do Camboja.
Ou talvez tenha sido algo mais simples: uma jogada maquiavélica de um dos políticos mais astutos da Ásia, para abandonar o aliado Thaksin, que perdeu grande parte de sua influência na Tailândia, enquanto simultaneamente reforça suas credenciais nacionalistas aos olhos do seu próprio povo.