Vicente Serejo
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Uma coisa puxa outra. É prosaico o lugar comum e banal, mas, o que há de fazer uma pobre alma se nada tem de nobre, e se sobrevive de catar as migalhas que encontra nas ruas para fazê-las a matéria da crônica diária? Hoje, só depois da leitura no jornal impresso, é que a memória foi ao sótão dos guardados e, de lá, trouxe a lembrança do belo e místico ensaio de Simone Weil – “Pensamentos Desordenados sobre o Amor de Deus”. Foi traduzido e lançado, há alguns anos, pela editora Vozes.
E como lembrei do pequeno livro, com prefácio de Welder Lacieri Marchini, editor teológico da Vozes, até hoje instalada em Petrópolis, Rio, não foi difícil reencantar-se nas trilhas dos grifos que a primeira leitura deixou. O novo encanto veio como recompensa. Logo no segundo capítulo, Simone Weil (1909-1943), escreve nas suas antevisões, com algo de místico, ela uma filósofa e professora, quando ensina que a vida seria insuportável se vivêssemos com todos os nossos desejos satisfeitos.
É profunda, mas como se dissesse coisas simples: “… ninguém fica muito tempo satisfeito por poder pura e simplesmente viver. Queremos viver para alguma coisa. Basta não mentirmos para nós mesmos para sabermos que não há nada aqui embaixo pelo qual poderíamos viver. Basta imaginarmos os nossos desejos satisfeitos. Ao final de algum tempo estaremos insatisfeitos. Gostaríamos de outra coisa, e estaríamos felizes por não sabermos o que querer”. E sugere não perder de vista a verdade.
Seria o bastante para salvar o cronista do que escreveu na crônica de ontem, no tão arriscado exercício da compreensão diante do gesto da aventura perigosa de Juliana Marins. Mas Simone Weil vai mais além, muito além: “Por exemplo, os revolucionários; se eles não mentissem para si mesmos, saberiam que a realização da revolução lhes traria infelicidade, porque nesse momento eles perderiam a razão de viver”. E acrescenta, jogando nos olhos o mistério: “O mesmo vale para todos os desejos”.
Mística, Weil não faz por menos e assesta a verdade como uma lança: “Somos seres finitos; o mal que existe em nós também é finito”. No seu misticismo, tinha um sonho: que em todas as cidades as pessoas fossem à missa aos domingos e, sobretudo, que, nelas, ensinassem às crianças que não deveriam blasfemar. Mas, também era dura de tão verdadeira: “Nos dias de hoje o tédio é a lepra que corrói”. Para Weil, aos domingos, antes de tudo, mesmo nos campos, há a busca febril pelo prazer”.
Juliana Marins, para não renegar sua alma feita de aventuras, mentiu para ela mesma. Tinha em algum lugar escondido da alma o desejo do risco, do proibido, do perigoso. Ora, se somos finitos, e se assim fomos feitos, não temos limites. Se Deus nos fez diferentes uns dos outros, em graus diferentes de grandezas e mediocridades, adverte Simone Weil, então que venha a vida e que cada um possa vivê-la entre perigos. Mesmo que o medo, todas as noites, venha dormir ao nosso lado…
PALCO
JABUTI – O ministro Alexandre de Moraes é finalista do Prêmio Jabuti, a maior consagração literária no Brasil com o livro: “Democracia e Redes Sociais, o desafio de combater o populismo extremista”.
ESSENCIAL – Do romancista baiano Ian Fraser, autor do tão elogiado ‘Cartografia para Caminhos Incertos, entre os romances hoje mais lidos: “O essencial dos brasileiros está nas pequenas coisas”.
SACADA – Capa da Veja, nas bancas, numa forte releitura dos efeitos do tarifaço de Donald Trump: É Lula de boné – “O Brasil é dos brasileiros”, e título de atirador de sniper: “Thank you, Mr. Trump”.
DICA – Para quem se sente injustiçado pela glória, tem uma saída: acreditar no livro ‘Como ser Famoso’, do norte-americano Cass Sustein, uma edição Vestígio, por apenas R$ 45,90, via Amazon.
INFERNO – Amanhã, sexta, no Iate Clube, a partir das 17h, o lançamento do livro “Dante Alighieri e a Divina Comédia no Séc, XXI. Hoje quem você colocaria no inferno?”. Do médico Maciel Matias.
OLHO – Perfeita a crônica de Domício Arruda Câmara no Território Livre, de Laurita Arruda, sobre a presença de Paulo Macedo na velha cena natalense, ele que viveu além, muito além, do apenas real.
POESIA – Do poeta Paul Valéry, dos seus ‘Maus Pensamentos & Outros’, sobre a dor humana nos vastos campos da vida comum: “A dor é aquilo que sentimos de mais nosso e de mais estrangeiro”
DANINHAS – De Nino, implacável, olhando a sua aldeia pachorrenta às margens do Potengi amado e sujo: “Aqui floresce a literatice e por isso nascem nos canteiros as ervas daninhas do beletrismo”.
CAMARIM
LOBBIES – Graves, consistentes e corajosas as denúncias de Jean Paul Prates, até pela condição de ex-presidente da Petrobrás. Ele acusou os ministros Rui Costa, da Casa Civil, e Alexandre Silveira, das Minas e Energia, de articularem poderosos lobbies que chegam hoje a R$ 64 bilhões a cada ano.
GUERRA – Para Jean Paul – sua denúncia foi publicada na coluna Painel AS, da Folha, ainda em 29 de junho – mesmo com quase trinta dias, não levou o governo federal a qualquer reação investigativa. O projeto das eólicas em alto mar, aprovado à unanimidade no Senado, ganhou jabutis na Câmara.
GUERRA – Ainda não foi deflagrada, por ser cedo, mas será um desafio para o prefeito Paulinho Freire sua posição em 2026. Vereadores apoiados por ele sonham com a Assembleia Legislativa e a Câmara Federal. É o preço natural de quem lidera um grupo e, por liderar, tem maioria na Câmara.
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