David Graeber, antropólogo americano morto em 2020, era uma voz que nadava contra a maré da austeridade e do fiscalismo. Nas quase setecentas páginas de Dívida: os primeiros 5 mil anos, seu laureado livro publicado pela primeira vez no Brasil em 2016, ele recontou a história da economia mundial para chegar a uma conclusão simples: dívidas são convenções sociais que, como quaisquer outras, podem ser desfeitas se assim quisermos. E talvez seja o certo a se fazer, já que, como Graeber demonstra, o endividamento foi usado ao longo da história como um instrumento de opressão – contra pessoas pobres, países periféricos, pequenas empresas. Os mais fracos pagam o pato, são punidos e constrangidos, enquanto os grandes devedores passam incólumes. “Nada seria mais importante do que passar uma borracha na dívida de todas as pessoas, marcar uma ruptura com nossa moral e começar tudo de novo”, proclama Graeber, nas páginas finais de sua obra.

O auditor fiscal Matias Bakir, mineiro de 66 anos, não chega a tanto. Mas, como Graeber, vem se esforçando para desfazer um consenso duradouro no campo das finanças: o de que Minas Gerais deve uma enormidade em dinheiro à União. A conta oficial gira em torno de 168 bilhões de reais – mais ou menos o PIB da Islândia. O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais (Sindifisco-MG), do qual Bakir é presidente, diz que o valor não passa de 84 bilhões de reais. Isso numa estimativa conservadora. Em suas projeções mais radicais, o Sindifisco aponta que, se tem alguém devendo dinheiro, esse alguém é a União.

Bakir não é anarquista como Graeber, nem nega que Minas entrou no vermelho. A dívida pública do estado, afinal, é antiga e bem documentada: começou com empréstimos obtidos em instituições financeiras décadas atrás e foi se avolumando graças aos juros e aos solavancos da economia brasileira. Em 1997, essa dívida – assim como a de todos os outros estados – foi assumida pela União, que criou um programa de renegociação. Quem esperava que o governo federal fosse um credor mais compreensivo do que o mercado financeiro se enganou. As dívidas continuaram a ser cobradas e devidamente pagas, enquanto os juros rolaram impiedosamente.

O que Bakir contesta, junto com os colegas de sindicato, é o cálculo da dívida. “Nós devíamos 14,8 bilhões de reais em 1998. De lá pra cá, pagamos 48 bilhões de reais. E, hoje, diz-se que devemos 168 bilhões”, ele reclamou, recentemente, numa audiência promovida pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Os parlamentares, em especial os governistas, não lhe deram atenção. Não interessa ao Planalto perder uma arrecadação tão robusta. “Não vamos fazer um acordo agora para renegociar esse valor e nem há clima para isso”, cortou logo o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), que havia convocado a audiência.

O xis da questão, para o Sindifisco, está no índice de correção da dívida. Quando a União assumiu o endividamento dos estados, ficou acertado que os valores seriam atualizados todo mês segundo o IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna), acrescido de 7,5% de juros. Ocorre que dois anos depois, em 1999, o Brasil adotou o regime de metas de inflação e estabeleceu não o IGP-DI, mas o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) como parâmetro do aumento dos preços no país. O Sindifisco argumenta que, dali em diante, a dívida de Minas e de todos os estados deveria ter sido atualizada de acordo com o IPCA.

Não foi o que aconteceu – e, para esses sindicalistas mineiros, está aí o pecado original. Isso porque o IGP-DI é um índice mais volátil. Em 2002, por exemplo, ele registrou uma variação de 26,4%, enquanto o IPCA marcou apenas 12,5% (a discrepância nesse único ano fez o valor das dívidas crescer tremendamente.) Em 2008, um novo baque, ainda que menor: o IGP-DI variou 9,1%, e o IPCA, 5,9%. A dívida, por isso, cresceu num ritmo mais acelerado que o da inflação. Por pressão de políticos, procuradores e auditores de vários estados, essa distorção foi parcialmente revista em 2013. Na época, o governo Dilma adotou duas alternativas: as dívidas poderiam ser reajustadas pela taxa Selic ou pelo IPCA acrescido de 4% de juros. Cada estado escolhia a opção que lhe fosse mais conveniente. Foi um alívio, mas não desfez o impacto dos quinze anos anteriores. A dívida de Minas, que em 1998 era de 14,8 bilhões de reais, em 2013 já passava dos 67 bilhões.

“A União agiotou os estados”, diz Bakir. A reclamação não é nova. Há pelo menos trinta anos, o cálculo da dívida é objeto de conversas de corredor entre auditores fiscais. A novidade é a mobilização do grupo mineiro, que vem tentando ganhar voz na discussão do Propag – o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados. Proposto pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o Propag foi aprovado pelo Congresso e sancionado por Lula em janeiro deste ano. Ele permite aos estados zerar os juros reais da dívida, exigindo como contrapartida o pagamento imediato de 20% do valor total, além de investimentos em áreas como educação e segurança. É um acordo mais vantajoso que o Regime de Recuperação Fiscal, aprovado no governo Temer, que demandava cortes de gastos e impedia reajustes salariais de servidores.

Hoje, os mineiros estão na vanguarda do debate, que vem ganhando força também em outros estados. Em 2022, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) instituiu uma CPI para escrutinar a dívida pública e, depois de cinco meses de debates, os deputados concluíram que a conta estava inflada em 70 bilhões de reais. Em 2024, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) promoveu um seminário para debater a ação que corre desde 2012 no Supremo Tribunal Federal pedindo a extinção da dívida do estado, com os mesmos argumentos dos mineiros do Sindifisco. Em abril deste ano, foi a vez da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) instituir uma frente parlamentar que pede a auditoria da dívida. 

Os quatro estados – Minas, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo – são os que mais devem dinheiro à União. Respondem por 793 bilhões de reais de um total de 928 bilhões acumulados pelos estados. Se as contas mais extremas do Sindifisco fossem adotadas, toda essa vermelhidão daria lugar a um azul sereno. Em vez de dever, Minas teria 33 bilhões de reais a receber; o Rio teria 1 bilhão; o Rio Grande do Sul, 9 bilhões; e São Paulo, uma bolada de 181 bilhões de reais.

 

A dívida pública, tanto a interna quanto a externa, tanto a nacional quanto a estadual, é uma preocupação antiga dos partidos de esquerda. Comunistas, trabalhistas e progressistas em geral alegam que uma fatia demasiadamente grande do orçamento público é destinada ao pagamento das dívidas do Estado com grandes bancos e instituições financeiras. Os juros rolam indefinidamente por décadas e sugam dinheiro que poderia ser investido na melhoria de escolas, na criação de novos leitos hospitalares, na construção de trens-bala, e por aí vai.

No livro Capital e ideologia, o economista alçado a superstar Thomas Piketty relembra como o perdão às dívidas foi fundamental para que a Europa pudesse se reconstruir depois da Segunda Guerra Mundial. “A construção europeia se deu nos anos 1950 com base no esquecimento das dívidas do passado, permitindo assim se concentrar nas novas gerações e investir no futuro.” Exemplos mais recentes incluem a Grécia, que em 2015, quando tentava sair de uma crise financeira gravíssima, deu um calote bilionário no Fundo Monetário Internacional (FMI).

No Brasil, movimentos sociais e partidos como o PT organizaram, no ano 2000, o chamado Plebiscito Popular da Dívida Externa. O pleito – feito de forma extraoficial, sem participação do governo e, portanto, sem efeito prático – consistia em três perguntas: se o Brasil deveria manter o acordo que tinha com o FMI, se deveria continuar pagando a dívida externa sem fazer uma auditoria, e se as três instâncias de governo (União, estados e municípios) deveriam usar uma parte tão grande de seus orçamentos para pagar seus credores. Divulgou-se, na época, que 5,4 milhões de brasileiros participaram do plebiscito, resultando num acachapante “não”.

Foi no embalo dessa votação que a auditora fiscal Maria Lucia Fattorelli resolveu fundar a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), uma associação sem fins lucrativos que defende a revisão da dívida pública brasileira. O assunto retorna de tempos em tempos ao noticiário, geralmente por iniciativa de partidos como o Psol, mas Fattorelli é uma das poucas vozes que fala dele constantemente. Por isso, foi convidada pelo Sindifisco mineiro a ajudar no debate sobre o Propag. O sindicato instituiu, no ano passado, o Núcleo de Estudos para a Promoção da Auditoria da Dívida (Nepad) e convidou Fattorelli a fazer parte do grupo. Com ela, estão outros nove estudiosos do assunto, a maioria deles economistas e auditores fiscais.

O Nepad simulou a evolução da dívida dos estados utilizando diferentes índices de correção. Calculou, por exemplo, qual seria o tamanho do rombo em Minas se a União tivesse aplicado, desde o começo, o IPCA acrescido de 6% de juros (um índice incomum, mas que foi utilizado em alguns contratos na época de FHC). A conclusão foi de que, nesse cenário, que é o pior de todos, a dívida seria de 84 bilhões de reais – muito menos do que a União tem cobrado. O grupo também simulou como ficaria a conta se a correção fosse feita apenas com o IPCA – o que, para eles, é a opção ideal. Esse é o cenário em que Minas teria 33 bilhões de reais a receber do governo.

Com a numeralha em mãos, o Sindifisco foi atrás de quem o ouvisse. Procurou o presidente da Assembleia Legislativa de Minas, deputado Tadeu Martins (MDB), o ex-deputado Agostinho Patrus, que hoje é conselheiro do Tribunal de Contas estadual, e integrantes da divisão mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A intenção, diz Bakir, é mobilizar a sociedade antes que Minas embarque de vez no Propag. Como parte do pagamento da dívida, o governador Romeu Zema (Novo) planeja entregar à União mais de trezentas empresas e imóveis públicos – entre eles prédios históricos, como o Palácio das Artes, projetado por Oscar Niemeyer. A Assembleia Legislativa já aprovou uma lei que prevê a adesão ao Propag, mas os termos do acordo – assim como a lista de bens a serem entregues – ainda estão em discussão. O prazo máximo para uma definição é 30 de outubro.

“Como é que o estado vai assinar um acordo assumindo um estoque de dívida de 168 bilhões? Tudo bem, o Propag é ótimo, bem melhor que o Regime de Recuperação Fiscal. Mas não estamos discutindo o Propag, e sim o estoque”, insiste Bakir. 

Existem dois caminhos pelos quais um estado pode questionar o valor de sua dívida: o judicial e o legislativo. No primeiro caso, é preciso acionar o Supremo Tribunal Federal, de preferência tendo realizado uma auditoria que sustente seus argumentos. No segundo, o jeito é convencer deputados e senadores a aprovar uma lei que modifique o cálculo da dívida. É diferente do que foi feito com o Propag, que estabeleceu normas para o refinanciamento, mas não mexeu nas contas.

Agostinho Patrus, do Tribunal de Contas do Estado de Minas, aceitou receber Bakir, Fattorelli e outros integrantes do núcleo de estudos. Bakir contou a Patrus sobre a iniciativa, entregando ao conselheiro os resultados dos cálculos que, para o Nepad, comprovam que o valor da dívida do estado com a União está equivocado. Tadeu Martins, o deputado emedebista, também se reuniu com a turma do Nepad. Dela, recebeu um pedido formal para que a Assembleia Legislativa abrisse um ciclo de debates sobre o Propag, onde se pudesse discutir o valor da dívida. A resposta não foi animadora. À piauí, Martins explicou que recalcular a dívida seria mesmo positivo para Minas, mas que a Assembleia “trabalha com o que tem no momento”. E o que tem, segundo ele, são apenas duas saídas: “o Regime de Recuperação Fiscal, que já se provou péssimo pelos sacrifícios que impõe, e ainda assim, aumenta a dívida em vez de diminuir, e o Propag, que comparado a ele é muito melhor, pois possibilita a amortização da dívida e a conversão dos juros em investimentos.”

Dos interlocutores, o mais receptivo foi Humberto Lucchesi, presidente da Comissão de Defesa dos Servidores Públicos da OAB-MG, designado pela presidência da entidade para acompanhar os cálculos do Sindifisco. Convencido pelos auditores fiscais, Lucchesi tem defendido que o caso seja levado aos tribunais. “Qualquer mecanismo que rompa com a segurança jurídica e fique excessivamente oneroso para uma das partes de um contrato pode ser judicializado, sobretudo à luz do pacto federativo”, diz o advogado. Por isso, segundo ele, a OAB mineira estuda entrar com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo.

 

Se a OAB o fizer, não será propriamente pioneira. Entre 2015 e 2018, vários estados recorreram ao STF para contestar o valor de suas dívidas. O primeiro a obter uma decisão favorável foi Santa Catarina, em 2016. O estado contestava justamente o índice de correção e pedia um novo cálculo. Não o obteve, mas conseguiu que o pagamento da dívida fosse suspenso temporariamente, enquanto o assunto era discutido. Vendo vantagem nisso, outros estados, como Rio Grande do Sul e Minas Gerais, seguiram o exemplo dos catarinenses e congelaram seus pagamentos.

A notícia de que o STF estava sendo generoso com estados (e também municípios) fez com que, em pouco tempo, o tribunal fosse inundado por processos semelhantes, vindos de todos os cantos do país. O volume foi tão grande – e a insatisfação do governo federal, idem – que o Supremo decidiu suspender a votação das liminares pelo plenário. O tribunal determinou que tudo ficaria parado até que a União e as unidades da federação chegassem a um consenso (o que até hoje não aconteceu). Foi uma vitória dos estados, mas só até a página dois. Embora o pagamento das dívidas tenha sido suspenso, o seu valor não mudou – e dá-lhe juros todo mês.

Minas, por exemplo, ficou com o pagamento da dívida congelado de 2018 a 2024, mas o rombo nas suas contas só fez crescer. Quando Zema assumiu o cargo, em 2019, o endividamento de Minas com a União era estimado em 94 bilhões de reais. O valor praticamente dobrou de lá para cá, chegando aos atuais 168 bilhões.

“A verdade é que ninguém olha o que a União faz no cálculo da dívida, diz Onofre Batista, que entre 2015 e 2018 chefiou a Advocacia-Geral de Minas. Antes disso, ele foi procurador-chefe da Dívida Ativa do Estado, de modo que conhece o assunto de trás para frente. É de sua lavra a ação judicial que questionou, no STF, os juros aplicados pela União no cálculo da dívida mineira. “Quando entrei com as ações, foi uma irritação geral no Tesouro Nacional. Eles se sentiram pressionados, e no fim a coisa ficou parada no Judiciário.”

Hoje professor de direito financeiro na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Batista defende que, para resolver o imbróglio de uma vez por todas, é preciso que o Supremo exija da União uma prestação de contas das dívidas. Tudo posto a limpo, ficariam claras as eventuais distorções e injustiças que possam ter sido cometidas desde 1997. Mas ele lamenta que poucos políticos topem comprar essa encrenca. “Os partidos mais à esquerda, no atual governo, não querem brigar com o Lula. Os partidos mais à direita, no governo anterior, não queriam brigar com o Bolsonaro. Já os governadores, em geral, só enxergam a próxima eleição.”

Zema, por ora, não se manifestou sobre os cálculos do Sindifisco e não respondeu aos pedidos de entrevista da piauí. O governador tem escalado seu vice, Mateus Simões (Novo), para tratar do assunto na imprensa. Provável candidato à sucessão no ano que vem, Simões subiu o tom numa entrevista recente ao Estado de Minas e politizou a discussão das dívidas: reclamou que o estado tem sido “roubado pelo governo federal há muitos anos” e se referiu a Lula como “um câncer para o país”. 

Simões esqueceu de dizer que, no governo Bolsonaro, Minas perdeu uma grande chance de ter sua dívida totalmente perdoada. Isso porque, no começo de 2020, os governadores e a União tentaram negociar no STF um acordo para ressarcir os estados pelas perdas geradas pela Lei Kandir, que entrou em vigor em 1996. Numa tentativa de estimular as exportações brasileiras, a lei estabelecia que os estados não mais podiam cobrar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas exportações de produtos primários e semielaborados – como é o caso, por exemplo, do café e do minério de ferro, principais commodities de Minas. 

Cálculos feitos por especialistas, entre eles o professor Onofre Batista, apontaram que a Lei Kandir causou um prejuízo de aproximadamente 135 bilhões de reais a Minas Gerais entre 1996 e 2019. Como o valor era próximo à dívida do estado com a União, um grupo de deputados estaduais sugeriu que fosse feito um acerto de contas: Minas abriria mão dessa indenização, e em troca teria a dívida perdoada.

O acordo firmado por Zema e Bolsonaro, no entanto, não passou nem perto dessa expectativa. Minas aceitou um valor quase simbólico, de 8,7 bilhões de reais, a serem pagos pela União até 2037. O cálculo que foi feito para chegar a esse número não foi divulgado. Zema, pouco antes de assinar o acordo, disse em uma mensagem aos deputados estaduais que era “imprevisível o montante real da compensação bem como o tempo de sua implementação”. Não citou a proposta feita pela própria assembleia, nem explicou por que não pleiteou mais dinheiro.

Apesar dos pesares, Agostinho Patrus, que na época do acordo era deputado estadual pelo PV e presidente da assembleia, comemorou o acordo. “A destinação desse recurso representará fundamental alívio aos cofres públicos. Mesmo sendo distante do valor que o estado deveria receber, trata-se de uma conquista importante.” Onofre Batista tem uma opinião diferente: “O acordo não alcançou nem um décimo do valor que era devido pela Lei Kandir. O passado foi esquecido.”

 

Assim como torcem o nariz para as ideias de David Graeber, muitos economistas, tanto ortodoxos quanto heterodoxos, fazem pouco caso de quem contesta a dívida pública no Brasil. Em um artigo publicado em 2019 no site Infomoney, o economista Guilherme Tinoco acusou a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) de confundir “conceitos básicos” e prejudicar o debate econômico, “oferecendo soluções fáceis, com vilões determinados, o que só traz malefícios para a população”. Na época, Maria Lucia Fattorelli, coordenadora da organização, vinha defendendo que os recursos do Tesouro Nacional, do caixa do Banco Central e das reservas internacionais fossem usados pelo governo federal para turbinar seu orçamento (uma alternativa, segundo ela, à reforma da previdência). Nelson Barbosa, que ocupou os Ministérios da Fazenda e do Planejamento no segundo governo Dilma, compartilhou nas redes sociais o artigo de Tinoco, chamando de “terraplanismo econômico de esquerda” as propostas defendidas por Fattorelli.

Quando Barbosa era ministro, os debates sobre a dívida dos estados já estavam na ordem do dia. Ele, como representante do governo federal, afirmou ao STF que uma mudança retroativa no cálculo dos juros causaria “riscos fiscais e macroeconômicos importantes, não só para a relação entre os estados e a União, mas também para vários outros tipos de contratos financeiros”. Em nota enviada à piauí, o Sindifisco rebateu esse argumento dizendo que “uma possível repactuação da dívida dos estados, com base em seu valor real e justo, não representa risco fiscal, mas uma correção estrutural necessária, que fortalece a federação e contribui para a sustentabilidade do Estado como um todo.” E prosseguiu: “O verdadeiro risco fiscal está na manutenção de um modelo distorcido e insustentável, que transformou financiamentos em instrumentos de asfixia fiscal.” Barbosa hoje atua na diretoria do BNDES. Procurado pela piauí, ele não respondeu aos pedidos de entrevista.

Mesmo economistas próximos à esquerda, como a professora da USP Laura Carvalho, puxam a orelha da Auditoria Cidadã da Dívida. Em um artigo publicado na Folha de S.Paulo em 2016, Carvalho concordou que a dívida pública no Brasil é fruto de “bandalheiras históricas”, mas que anular parte desse valor, como defende a ACD, não é “a panaceia que aparenta ser”. Como o governo federal vende títulos de dívida no mercado financeiro, existe hoje um sem-número de credores que nada tem a ver com as bandalheiras do passado. Mudar as regras do jogo a essa altura, escreveu Carvalho, “criaria artificialmente um risco de default e acabaria por elevar a taxa de juros exigida sobre os novos títulos emitidos”.

O PT, que no passado encampou a revisão da dívida pública brasileira, hoje pisa em ovos. Abrir mão de uma fonte de arrecadação e comprar briga com os arautos do fiscalismo não parece sensato na atual conjuntura política. Há, contudo, algumas lideranças que se arriscam a empunhar a bandeira do Sindifisco. “Eu sou uma voz meio de divergência”, diz o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG). “Na minha avaliação, Minas não tem uma dívida bilionária com a União.” O parlamentar repete a argumentação dos auditores fiscais: para ele, os juros aplicados pelo governo a partir de 1998 foram “uma espécie de agiotagem” – além de um erro, diz Lopes, já que “a União tem responsabilidade sobre a integridade [financeira] dos estados”.

O petista avalia que o Propag não resolverá a dívida dos estados. “Votei a favor do programa, e reconheço que ele é melhor e mais generoso do que a regra anterior de renegociação. Mas, mesmo com a redução dos juros, o problema do estoque da dívida continua posto. E esse estoque é impagável.” Para contornar o problema, Lopes diz que apresentará um projeto de lei para reduzir o valor das dívidas. Sua ideia é que, a cada ano, os estados que apresentarem um resultado comercial positivo sejam premiados com reduções da dívida, que poderiam chegar a até 2% anuais do valor do estoque. “Eu quero abrir esse debate. Até porque a verdade é que, hoje, essa situação é um faz-de-conta: ninguém paga e ninguém recebe.”

Já o senador Rodrigo Pacheco (PSD), autor do Propag e um mineiro de temperamento cauteloso, trata do assunto de forma evasiva. À piauí, disse apenas que sua proposta não entra no mérito do valor da dívida, e que “cabe a cada ente federativo negociar com a União os termos dessa repactuação”. Ainda assim, completou Pacheco, “caso o estudo [do Nepad] se confirme, torna-se uma notícia positiva para Minas Gerais”.

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