Vicente Serejo
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Vosmicê sabe, Senhor Redator, o que é Agulha de Marear? Tem vários significados, mas, a rigor, é a agulha da bússola que aponta para o Norte. Pode ser instrumento para fazer o disco tocar ou o percutor que dispara o tiro nas armas de fogo. Ou, ainda, instrumento pontiagudo para cirurgias. Para nós, nascidos perto do mar, vem de um tempo velho, quando os pescadores coziam as velas rasgadas pelas lapadas dos ventos medonhos. E até hoje ninguém deve perder o Norte.

Aqui, e se permite uma humilde metáfora, diria que é preciso saber manejá-la para vencer as tempestades da vida. A marinharia, desde aqueles tempos mais remotos, quando os navegantes venceram o Cabo das Tormentas ou dobraram o Bojador e começaram a chegar a outros mundos, deixou nos nascidos às margens de suas águas esse sentimento – é preciso ter Agulha de Marear para navegar nos desafios dos dias e noites entre os mistérios que apontam o caminho de volta.

Ter o peso da glória e poder carregá-la, há de ser bom e altaneiro, mas, e nem por isso, é necessariamente ruim o privilégio de não ter saudade daquilo que nunca se teve. Se a vida é mesmo parecida com um navio cargueiro, como escreveu numa crônica a grande Raquel de Queiroz, então o destino de cada um é navegar de porto em porto. E arriar em cada um deles um pouco da carga até alcançar o último cais de atracação. Leve, afinal nada é mais possível carregar naquela hora.

Mais valioso do que os fardos levados no porão do navio é saber que um dia será inevitável abrir mão do ouro que foi a alegria de viver quando chega a hora da grande viagem de volta que a nenhum de nós é dado saber. Deus não cometeria a tão perigosa imprudência de criar o ser humano com uma inteligência sem limites, sem o cuidado de dotá-lo da consciência trágica do próprio fim, advertência que nos fez Miguel de Unamuno, o gênio que o generalíssimo Franco nunca perdoou.

Percorrendo os grossos e sisudos dicionários que cochilam, pachorrentos, nesta caverna de livros velhos, constatei que a expressão ‘Agulha-de-marear’, assim chamada pelos pescadores antigos, não é habitante do velhíssimo ‘Elucidário de Palavras, Termos e Frases que em Portugal Antigamente se Usaram”, de Frei Viterbo’, nascido e vivido entre 1744 e 1822. Fui encontrar no Caldas Aulete como o sinônimo popular de bússola com sua agulha magnética a indicar o Norte.

Não importa, Senhor Redator. Na memória afetiva do homem velho que teima em guardar na saudade as coisas do menino que foi um dia, vale, para tudo, a Agulha-de-Marear. Como se até hoje, e todos os dias, fosse marcando a rota do destino. Como informa o ‘Dicionário do Mar’, de Sérgio Cherques, Globo, Rio, 1999, há sempre uma Agulha-de-Marear na cana-de-leme para o timoneiro seguir o rumo certo, não se perder nas águas fundas do mar, como na canção de Caymmi.

PALCO

JOGO – O ex-senador José Agripino Maia, presidente do União Brasil aqui no RN, não declara, mas estaria convencido de que o prefeito de Mossoró é o candidato a governador de mais empatia.

ALIÁS – Em política, nunca é tão impossível assim os nomes tocados pelo fenômeno da acolhida coletiva. As raízes humanas e simples de Alisson Bezerra bafejam o sonho das forças populares.

BRILHO – Foi brilhante a conferência do professor-doutor Alípio de Souza Filho, na Biblioteca Zila Mamede, sobre as “Eleições de Trump e como o cosmólogo Carl Sagan anteviu o desastre’.

TOQUE – Alípio é um libertador da fala para além da fechada bolha acadêmica lançada para quem deseja ouvir e debater as grandes questões da realidade. Como há de ser uma universidade pública.

CAMINHOS – Pedro Fernandes, professor aposentado da UFRN, lança sábado, amanhã, das nove ao meio dia, seu livro ‘Dos Pirineus à Galícia’. É sua grande aventura nos Caminhos de Santiago.

ÍCONE – Abimael Silva, em mais um exemplo de bom gosto editorial, anuncia para os próximos dias a nova edição de ‘Domingos Jorge Velho e o RGN’, do historiador Olavo de Medeiros Filho.

POESIA – De Sanderson Negreiros, ungido de poesia, olha o Beco da Quarentena amanhecer sem mais pecados: “Então o beco não mais termina em aspereza. / Amanhece puro, como de surpresa”.

PAIXÃO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, cobrado para dizer o que é o amor nos sempre enlouquecidos de paixão: “A paixão é perigosamente livre. Ama-se de qualquer jeito”.

CAMARIM

CERCO – Nem coronel Azevedo, na condição de deputado, conseguiu ser livre do corporativismo e só elogiou o secretário de segurança e a polícia no atendimento ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Como se fossem independentes para fazê-lo sem a ordem correta da governadora Fátima Bezerra.

ALIÁS – O corporativismo, nos quarteis e igrejas, são doenças da democracia quando não há forte consciência de que o Poder Legislativo representa toda a sociedade. Em essência, não há objetivo nobre no corporativismo a não ser incensá-lo na busca de manter o patrimônio populista do voto.

POVÃO – Nas prateleiras das livrarias de todo Brasil o novo ensaio do antropólogo Mércio Gomes – ‘Brasil Insurgente, a Primeira Revolução do Povão’. São 340 páginas tentando explicar a força do povo nas ruas. Mércio é seridoense de Currais Novos, e presidiu a Fundação Nacional do Índio.

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