Jeffrey Epstein e Donald Trump posam juntos.

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Legenda da foto, Não há evidências de qualquer conduta criminal por parte de Trump, mas sua amizade com Epstein (que terminou em 2004) o tornou um personagem central neste caso
    • Author, Anthony Zurcher
    • Role, Correspondente da BBC News na América do Norte

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chamou o caso Jeffrey Epstein — condenado por pedofilia e morto em 2019 — de “assunto encerrado”. No entanto, em uma semana marcada por grandes revelações, os crimes de Epstein, e suas consequências, continuam a assombrar muitos dos ex-associados de Epstein.

O famoso livro de aniversário de Epstein, intitulado “Os Primeiros Cinquenta Anos”, entregue em 2003 e divulgado na segunda-feira (08/09), deu mais munição aos críticos de Trump. A divulgação do conteúdo do livro manterá a base trumpista e o público em geral clamando por mais detalhes.

Pode não ser uma bala de prata — um elo incontestável com irregularidades capaz de arruinar carreiras ou impulsionar investigações criminais. Mas é uma evidência concreta e preocupante da relação próxima que o financista e condenado por crimes sexuais Epstein mantinha com ricos e poderosos.

Só isso já faz com que seja uma história explosiva e envolvente, que captura a atenção do público de uma forma que uma típica história política não consegue.

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Legenda da foto, O famoso livro com mensagens a Epstein pelo seu aniversário de 50 anos, entregue em 2003 e divulgado na segunda-feira (08/09), deu mais munição aos críticos do presidente. Na foro, Epstein aparece por trás de Trump da modelo Ingrid Seynhaeve

Não se engane: embora não haja qualquer indicação de irregularidade criminal por parte de Trump, as consequências políticas da saga de Epstein sobre o presidente são bastante reais.

Trump está vulnerável nesse ponto. E suas tentativas de desviar ou minimizar o assunto fracassaram.

Além disso, em alguns momentos, Trump atacou sua própria base por não deixar de lado a história — um interesse, aliás, que ele encorajou até o ano passado.

Como o livro de aniversário mudou a história

Embora o livro de 2003, compilado pela então namorada e coconspiradora de Epstein, Ghislaine Maxwell, contenha dezenas de mensagens pessoais, é a carta de aniversário supostamente escrita por Trump que transformou a história de exploração sexual e tráfico de pessoas em um caso de intriga política nacional.

Os detalhes da carta — um diálogo imaginário entre Trump e Epstein, repleto de insinuações e duplos sentidos, inserido em um esboço de torso feminino nu — são conhecidos do público desde que o Wall Street Journal os revelou em julho deste ano.

Trump respondeu inicialmente à cobertura com negativas genéricas, alegações de que seria alvo de uma “farsa” e um processo por difamação em que seus advogados questionavam a existência da carta.

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Legenda da foto, Os apoiadores do presidente contestam a autenticidade da carta de aniversário, mas já não é mais possível negar sua existência

À medida que conservadores se mobilizavam em defesa de Trump, ele pareceu acalmar preocupações entre sua base política, que estava dividida sobre a forma como a Casa Branca tem lidado com os arquivos ligados à investigação contra Epstein.

Analistas políticos começaram a se perguntar se esse seria o mais recente de uma longa série de potenciais escândalos e controvérsias que o presidente costuma ignorar.

A estratégia de Trump tinha, porém, um risco evidente: que a carta se tornasse pública. Uma descrição neutra de textos e desenhos sugestivos nas páginas de um jornal financeiro é muito diferente de ver o item concreto, com a representação de pequenos seios femininos e uma assinatura semelhante à de Trump, posicionada de modo a sugerir pelos pubianos.

Os assessores e apoiadores do presidente continuam a contestar a autenticidade da carta de aniversário, mas já não é mais possível negar a sua existência.

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Legenda da foto, Entre os apoiadores, Trump é visto como alguém que não se deixa envolver por jogos e evasivas políticas — cada explicação recalibrada corre o risco de minar essa imagem

“O presidente não escreveu esta carta, não a assinou, e é por isso que a equipe jurídica externa do presidente está entrando com um processo contra o Wall Street Journal”, disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, na terça-feira (09/09).

Mas, em um livro repleto de mensagens a Epstein, Trump parece ser o único a negar a autenticidade de sua suposta contribuição.

Leavitt tomou cuidado para não classificar o livro em si como uma farsa.

Cada defesa reposicionada, cada explicação recalibrada corre o risco de minar a reputação de Trump entre seus apoiadores, que o veem como alguém que não se deixa envolver por típicos jogos políticos e desculpas.

Um fragmento de um mosaico maior

Uma preocupação para a Casa Branca maior do que a revelação específica da carta é a forma como o livro de aniversário deve alimentar um interesse mais amplo e uma atenção contínua ao caso Epstein.

A carta supostamente escrita por Trump é apenas um fragmento de um mosaico maior da vida de Epstein — o retrato de um homem que mantinha amigos e associados nos mais altos escalões, incluindo alguns que achavam graça de sua reputação por feitos sexuais.

Menos de uma semana depois de um grupo de vítimas de Epstein e suas famílias se reunir nos degraus do Capitólio (sede do Congresso americano) para falar da dor e do trauma emocional que sofreram, o livro de aniversário forneceu evidências vívidas da aparente indiferença de muitos integrantes do círculo de Epstein em relação às suas escapadas.

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Legenda da foto, Uma preocupação é que o livro de aniversário reforce o interesse e a atenção ao caso Epstein

Um bilhete, aparentemente de um investidor imobiliário da Flórida, inclui uma fotografia de Epstein segurando um grande cheque de brinquedo, aparentemente de Trump. O texto que acompanha brinca dizendo que Epstein vendeu uma mulher “totalmente depreciada” a Trump por US$ 22.500 (cerca de R$ 115 mil) — usando um termo financeiro para um item cujo valor foi reduzido pelo uso.

Outras mensagens incluíam desenhos obscenos, fotografias de nus e, em um caso, imagens de animais mantendo relações sexuais.

Havia mensagens de políticos, advogados e líderes empresariais.

O ex-presidente americano Bill Clinton mencionou a “curiosidade infantil” de Epstein e seu desejo de “fazer a diferença”.

O gabinete de Clinton não respondeu a um pedido de comentário da BBC, embora ele já tenha afirmado anteriormente desconhecer os crimes de Epstein.

Peter Mandelson, embaixador do Reino Unido nos EUA que foi demitido do cargo na quinta-feira (11/09) depois que veio a público quão próximo ele era de Epstein, incluiu em sua carta no livro de aniversário fotografias de locais tropicais e se referiu a Epstein como “meu melhor amigo”.

Um porta-voz oficial de Mandelson disse à BBC antes da demissão que ele “sempre deixou claro que lamenta profundamente ter sido apresentado a Epstein”.

Esse material, que inclui a suposta mensagem de Trump, foi produzido três anos antes de as alegações de abuso sexual contra Epstein se tornarem públicas. Epstein foi indiciado pela primeira vez em 2006, na Flórida, acusado pelo crime estadual de solicitação de prostituição.

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Legenda da foto, A saga Epstein, que parecia ser notícia velha no início deste ano, aproxima-se de uma massa crítica capaz de se sustentar sozinha

Alguns republicanos destacaram que os democratas têm se concentrado quase exclusivamente em Trump como evidência de que suas manifestações de indignação são motivadas por um desejo de obterem ganhos políticos.

Isso pode ser difícil de negar para aqueles de esquerda.

Democratas do comitê da Câmara que investiga o caso Epstein, por exemplo, foram rápidos em divulgar a página de aniversário de Trump, que lhes foi fornecida pelo espólio de Epstein.

Espera-se que quaisquer outros detalhes relacionados ao presidente tenham um caminho igualmente rápido até a esfera pública.

Uma história maior que o presidente

A história, no entanto, tornou-se maior do que o presidente Trump, e o interesse pelo caso Epstein — envolvendo sexo, crime e poder — atrairá atenção independentemente das motivações políticas de quem o divulga.

Se os críticos de Trump enxergam oportunidade, nem todos os aliados do ex-presidente ajudam.

Na semana passada, o presidente da Câmara e membro do Partido Republicano, Mike Johnson, sugeriu que Trump teria cooperado com a investigação federal original sobre Epstein — uma teoria que o próprio Epstein levantou em entrevistas com o jornalista Michael Wolff, em 2016 e 2017.

Johnson posteriormente voltou atrás em seus comentários, mas não antes de provocar uma nova rodada de perguntas sobre o que Trump sabia sobre os crimes de Epstein e quando tomou conhecimento deles.

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Legenda da foto, Jeffrey Epstein foi condenado por pedofilia e morto em 2019

Ainda há muito que o público poderia descobrir com a divulgação de mais documentos de Epstein, incluindo depoimentos de testemunhas, registros financeiros e provas obtidas em buscas policiais em imóveis.

Dois congressistas — o republicano Thomas Massie, de Kentucky, e o democrata Ro Khanna, da Califórnia — estão reunindo assinaturas para forçar uma votação na Câmara dos Representantes dos EUA (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira) a fim de divulgar publicamente os arquivos restantes de Epstein, medida que a Casa Branca combate com vigor.

A saga Epstein, que parecia notícia antiga no início deste ano, aproxima-se de uma massa crítica capaz de se sustentar sozinha, difícil de ser contida por qualquer pessoa, independentemente de sua influência ou conexões.

E, embora o presidente Trump não seja o foco central e não haja evidências de conduta criminal por sua parte, sua amizade de longa data com Epstein — encerrada após um desentendimento em 2004 —, somada à sua posição no topo do poder político americano, manterá Trump como personagem central neste caso enquanto ele continuar a se desenrolar.



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