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O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará nesta quinta-feira (11/9) o julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e outros réus. Assista aqui ao vivo.
Cinco ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) estão decidindo o destino do que os investigadores chamam de “núcleo central” da suposta organização que teria tentado impedir a posse de Lula.
Em seguida, votarão Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Moraes abriu a votação por ser o relator do caso e é seguido pelos ministros por ordem de entrada no STF. Zanin, mesmo não sendo o mais antigo, vota por último por presidir a Primeira Turma.
O julgamento é histórico não apenas por envolver um ex-presidente, diz o advogado Álvaro Jorge, professor da FGV Direito Rio. O grande marco é ter, pela primeira vez, generais no banco dos réus.
“O Brasil é um país recheado de histórias de golpe e de tentativas de golpe. E, pela primeira vez, veremos generais julgados pela tentativa de abolição do Estado de direito. Este dado já dá o tom histórico desse julgamento”, afirma.
“Se a tese da acusação vai ou não prevalecer, e se o tipo penal é adequado, o julgamento vai passar por essa discussão.”
O advogado Gustavo Sampaio, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que “a presunção constitucional é que todos ajam como magistrados, imparciais e neutros, no trilho do devido processo legal”.
“Mas, claro, cada ser humano carrega consigo o conjunto das suas experiências”, completa Sampaio.
Abaixo e em ordem de votação, conheça a trajetória e o perfil de cada um dos cinco ministros que decidirão o futuro de Bolsonaro e do chamado núcleo central da trama golpista.
Alexandre de Moraes
Desde que assumiu uma cadeira no STF em 2017, indicado pelo ex-presidente Michel Temer para a vaga de Teori Zavascki, Alexandre de Moraes se tornou figura mais midiática da Corte.
Moraes começou sua carreira no Ministério Público, como promotor em São Paulo.
Depois, seguiu para a política, ocupando cargos como secretário de Justiça e Defesa da Cidadania e secretário de Segurança Pública de São Paulo, nos governos Geraldo Alckmin (entre janeiro de 2002 e maio de 2005 na Justiça e de janeiro de 2015 a maio de 2016 na Segurança Pública). Também foi nomeado ministro da Justiça de Temer em 2016.
Ao entrar para o STF, tinha o rótulo de conservador em temas de costumes. Ele já se declarou contra aborto, eutanásia e, embora tenha se manifestado contrário à redução da maioridade penal, defende punições mais severas para jovens em crimes graves.
Mas, nos últimos anos, o magistrado se consolidou como grande nome da defesa da democracia frente à ascensão do bolsonarismo, ganhando simpatia de progressistas.
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À frente do STF e depois do TSE, o magistrado se chocou com as plataformas de redes sociais, especialmente o X (ex-Twitter).
Em 2024, determinou multas milionárias e bloqueio de contas ligadas a Elon Musk, dono do X, que o chamou de “ditador brutal”. Moraes respondeu endurecendo ordens de restrição e até bloqueio de VPNs, o que projetou a disputa internacionalmente.
A imprensa internacional tem dado destaque ao magistrado.
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O governo americano acusa o ministro de abusos em decisões ligadas à liberdade de expressão.
As punições americanas provocaram solidariedade pública de Lula e do STF, que classificaram as medidas como ingerência externa no Judiciário brasileiro. Internamente, reforçaram a imagem de Moraes como alvo de forças poderosas, mas também ampliaram a percepção de que acumulou poder demais para um único magistrado.
Moraes também foi alvo direto de ameaças. Investigações da Polícia Federal indicaram que ele seria monitorado por aliados de Bolsonaro no suposto plano golpista para afastá-lo do cargo.
Essa ligação direta no processo que apura tentativa de golpe de Estado também colocou dúvidas sobre sua imparcialidade como relator. O STF decidiu manter o ministro à frente do caso, com o entendimento que a vítima era o Estado Democrático de Direito, não o ministro em si.
Moraes centralizou os principais desdobramentos do processo, com autorização de buscas, prisões preventivas e domiciliar, como a de Bolsonaro.
Ao longo do julgamento, o ministro manteve uma postura de linha dura.
Em seu voto nesta terça-feira, Moraes falou por quase cinco horas.
Ele citou uma série de provas e a sequência de eventos que comprovariam o papel de Bolsonaro como líder da tentativa de golpe em curso.
“De julho de 2021 até 8 de janeiro de 2023 essa organização criminosa com divisão de tarefas e de forma permanente e organizada, o que caracteriza a organização criminosa, praticou vários atos executórios contra o Estado Democrático de Direito”, afirmou Moraes.
Flávio Dino
A escolha consolidou a aproximação entre o presidente e Dino, que havia comandado o Ministério da Justiça e se destacado na reação aos ataques de 8 de janeiro. A aprovação no Senado foi apertada — ele foi aprovado por 17 votos a 10.
Antes de chegar ao Supremo, Dino teve trajetória rara: passou pelos Três Poderes. Foi juiz federal por mais de uma década e chegou a presidir a Associação dos Juízes Federais.
Em seguida, entrou para a política, elegendo-se deputado federal, comandando a Embratur, governando o Maranhão por dois mandatos e, mais recentemente, assumindo uma vaga no Senado.
Na política, Dino construiu fama de orador combativo. Seu estilo direto e, muitas vezes, irônico, o tornou popular nas redes sociais e alvo de críticas de adversários bolsonaristas.
Segundo levantamento da Quaest em agosto de 2023, Dino era o segundo ministro mais popular do governo, atrás apenas de Fernando Haddad.
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No governo Lula, protagonizou a resposta institucional aos atos golpistas de 8 de janeiro, o que fortaleceu sua relação com Alexandre de Moraes e garantiu apoio de ministros influentes como Gilmar Mendes. Ainda assim, sua indicação suscitou críticas pela falta de diversidade de gênero e racial na composição da Corte.
Em relação a pautas penais, juristas avaliam que Dino pode adotar postura punitivista, em contraste com a expectativa de que Lula buscaria um perfil garantista após o trauma da Lava Jato.
Como ministro da Justiça, chegou a propor ao Congresso um pacote de leis que endurecia penas para crimes contra o Estado Democrático de Direito, medida que gerou controvérsia entre especialistas. Esse histórico alimentou a percepção de que sua atuação no STF poderia ser de “mão pesada”.
No campo econômico, como ex-advogado trabalhista, a percepção é de que Dino se alinhe mais à esquerda, com posições mais próximas às de Lula e do PT, ainda que sem hostilidade a investimentos privados.
Analistas destacam que, como governador, ele se mostrou pragmático, capaz de atrair parcerias com o setor privado, mas mantendo o Estado como protagonista.
Nas pautas de costumes, Dino já deixou clara sua posição pessoal contrária ao aborto, embora reconheça o tema como questão de saúde pública.
Também se coloca contra o consumo de drogas, mas critica a criminalização como ineficiente e injusta, por atingir sobretudo jovens negros e pobres. Essas nuances sugerem que, apesar de progressista em alguns pontos, poderia adotar cautela em julgamentos sensíveis para evitar choques com o Congresso.
Dino passou um recado claro sobre a aplicação da Lei Magnitsky no Brasil. Após o colega Alexandre de Moraes ser sancionado pelo governo americano, ele indicou que empresas podem ser punidas no Brasil caso apliquem sanções contra o ministro Alexandre de Moraes seguindo determinação do governo de Donald Trump.
A decisão foi tomada em uma ação que questiona no STF um processo movido contra as mineradoras Vale e BHP na Inglaterra por vítimas do rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015.
“Ele é um homem que começou na vida judicial, passado pela vida política e voltou ao magistrado. É claro que é uma pessoa com essa trajetória, tem um pendor político discursivo, tem opiniões políticas muito bem consolidadas. É um homem de opinião”, analisa o advogado Gustavo Sampaio.
“Diferente de outros juízes, ele não tem o perfil de autocontenção. Ele é declaradamente apegado à afirmação das instituições democráticas. Tem uma preocupação externalizada com a defesa intransigente do Estado Democrático de Direito. Isso nos leva a crer que ele será muito rigoroso na aplicação de penas por crimes contra a democracia.”
Em março, quando o STF tornou Bolsonaro réu por tentativa de golpe de Estado, Dino afirmou que “é uma desonra à memória nacional” minimizar uma tentativa de golpe porque não houve mortos.
Na ocasião, Dino refutou aqueles que relativizaram a tentativa de golpe quanto à sua gravidade.
“Se diz também: ‘Ah…mas não morreu ninguém’. No dia 1º de abril de 1964 [dia do golpe que iniciou a ditadura militar] também não morreu ninguém. Mas centenas e milhares morreram depois. Golpe de Estado mata. Não importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois”, disse o ministro.
Nesta terça, o ministro também decidiu pela condenação de Bolsonaro e dos outros sete réus, mas divergiu de Moraes quanto à relevância da participação de alguns deles nos fatos investigados.
Para Dino, Jair Bolsonaro e Braga Netto ocupam a função dominante nos eventos, enquanto Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Augusto Heleno (ex-ministro ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e Alexandre Ramagem (deputador federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência) tiveram uma participação de menor importância.
Luiz Fux
Indicado ao Supremo por Dilma Rousseff em 2011, Luiz Fux começou a carreira como promotor de Justiça no Rio de Janeiro, na década de 1970, antes de ingressar na magistratura em 1983.
Passou pelo Tribunal de Justiça do Rio e pelo Superior Tribunal de Justiça. Também é professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e reconhecido acadêmico de Direito Processual.
O ministro já foi considerado um dos mais punitivistas da corte, conhecido por agir com dureza no caso do Mensalão e por chancelar as decisões da operação Lava Jato. Ele defendeu, por exemplo, a prisão em segunda instância antes do esgotamento dos recursos — o que afetou diretamente casos como o de Lula.
Em 2019, nas conversas vazadas pelo site The Intercept Brasil de procuradores e juízes da operação, ficou famosa a mensagem que o então juiz Sérgio Moro enviou ao procurador Deltan Dallagnol: “In Fux we trust” (“Em Fux nós confiamos”, em inglês).
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Mas agora Fux tem se posicionado como contraponto a Moraes no julgamento da trama golpista, adotando decisões mais moderadas.
Em seu longo voto, que ultrapassou dez horas na quarta-feira (10/9), Fux pediu a absolvição de seis réus.
Além disso, defendeu a anulação do processo por incompetência do STF e da Primeira Turma para julgá-lo — afirmando que a ação deveria estar na primeira instância da Justiça ou, ao menos, no Plenário do STF.
Fux também acolheu um dos argumentos-chave dos réus: o de que houve cerceamento da defesa devido à falta de tempo adequado para os advogados analisarem todo o material levantado nas investigações.
O ministro já havia dado sinais de que abriria divergências.
Em março, ao analisar as preliminares do caso, já havia afirmado que a competência para julgar os acusados seria da primeira instância.
Na votação sobre as medidas cautelares impostas por Moraes a Bolsonaro, Fux foi o único a se posicionar contra, argumentando que elas restringiam “desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e comunicação”.
Moraes havia fixado pena de 14 anos. Dino e Cármen Lúcia seguiram o relator, enquanto Zanin propôs 11 anos. Fux defendeu a redução para 1 ano e 6 meses.
Em entrevista à BBC News Brasil antes do voto de Fux, Gustavo Sampaio, da UFF, havia afirmado que um posicionamento mais pró-absolvição no julgamento de Bolsonaro e outros réus seria “uma certa contradição” com a história do ministro no STF.
“Por exemplo, durante o julgamento daquelas ações, habeas corpus e recursos que decorriam da Operação Lava Jato, o ministro, de fato, adotava uma postura punitivista, vigorosa, defensora da autoridade da lei penal, inflexível inclusive em relação a algumas garantias”, disse Sampaio.
Álvaro Jorge, professor da FGV Direito Rio, explicou que Fux tendia a divergir da turma por analisar profundamente questões processuais, sua especialidade.
“Há muitas discussões colocadas pelas defesas que são de natureza processual, o que abre muito espaço para um magistrado como o Fux buscar trazer uma visão diferente das que tem prevalecido até o momento na turma”, disse o professor da FGV, antes do voto do ministro.
Recentemente, Fux foi um dos poucos ministros do STF poupados da retaliação do governo americano à ação penal contra Bolsonaro, com a suspensão de vistos em julho.
Moraes e outros sete ministros do Supremo tiveram a permissão para entrar nos Estados Unidos suspensa.
Fux, André Mendonça e Nunes Marques — esses dois últimos indicados por Bolsonaro — não foram afetados.
Cármen Lúcia
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Cármen Lúcia é a ministra mais antiga da Primeira Turma do Supremo. Foi nomeada em 2006, no fim do primeiro mandato de Lula, e já se aproxima de duas décadas na Corte.
“Em todos os tribunais constitucionais onde há mulheres, o número de vezes em que as mulheres são aparteadas (interrompidas) é 18 vezes maior do que entre os ministros”, disse durante sessão em 2017, quando sua colega Rosa Weber foi interrompida por Fux.
Antes de chegar ao STF, fez carreira como procuradora do Estado de Minas Gerais e professora de Direito Constitucional e Administrativo na PUC-Minas, onde hoje é professora titular. Tem formação marcada pela advocacia pública e pela defesa do Estado.
“O papel dela era convencer juízes com teses de defesa do Estado, então havia uma expectativa de que tivesse um perfil mais garantista”, afirma Álvaro Jorge.
Ele ressalta, porém, que a ministra nunca seguiu essa linha. “Na minha visão, Cármen Lúcia nunca foi uma mulher garantista, superleve em aplicação de punições. Ao contrário, sua trajetória na Corte mostra convicção de que atividades criminosas merecem respostas bastante contundentes do sistema judicial.”
Como Presidente do Supremo Tribunal Federal, exerceu as funções da Presidência da República do Brasil entre 13 e 14 de abril de 2018, tendo sido a sexta Presidente do STF a assumir as funções inerentes à chefia do Poder Executivo do País.
Para o professor da FGV, a ministra costuma intervir de forma clara em julgamentos, especialmente em temas como a vitimização da mulher, e dificilmente flexibiliza em questões penais.
Já Gustavo Sampaio destaca o perfil contido da ministra. “Ela tem uma tendência de autocontenção nas palavras. Trata se de uma juíza tradicionalmente rigorosa nos julgamentos, extremamente rigorosa e apegada à preservação da autoridade da lei penal”, afirma o jurista.
“Como analista, faria uma aposta no rigor aplicativo da lei penal, mas de um modo silencioso. Ela, numa atuação mais silenciosa, provavelmente será rigorosa também na aplicação da lei penal, caso se entenda ali que as provas são no sentido de que aquelas pessoas realmente cometeram aqueles crimes contra o Estado Democrático de Direito.”
Cristiano Zanin
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Presidente da Primeira Turma e último a votar, Cristiano Zanin é ministro do STF desde agosto de 2023, indicado pelo presidente Lula.
Zanin foi advogado de defesa do petista nos processos da Operação Lava Jato. Sua indicação foi vista como uma escolha pessoal do presidente e gerou críticas, à época, sobre possível alinhamento político.
Antes de assumir a defesa em 2013, Zanin não tinha experiência em direito penal. Formado em Direito pela PUC-SP, Zanin era especializado em Direito Processual e atuava em Direito Empresarial, especialmente em disputas complexas e grandes casos de recuperação judicial.
Suas vitórias na defesa de Lula, consideradas difíceis de reverter, o projetaram como um dos principais nomes da advocacia brasileira.
No Supremo, Zanin busca projetar uma imagem de independência. Seus votos revelam um perfil híbrido: garantista em matérias penais, mas se mostrou conservador em temas de costumes e direitos sociais.
Ele já votou contra a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e não reconheceu, por questões processuais, a equiparação de ofensas à comunidade LGBT+ com o crime de injúria racial.
Especialistas destacam sua postura discreta e autocontida. Zanin tem mostrado independência para julgar, na avaliação de Álvaro Jorge, inclusive em casos que havia interesse da Presidência da República.
“Especulações de que ele se alinharia de alguma forma aos interesses da Presidência, por ter sido indicado por Lula, acabaram não se concretizando. Ele se mostrou um juiz independente e, ao longo desse julgamento, demonstrou preocupações com o devido processo e os ritos formais”, afirma o professor.
Já Gustavo Sampaio observa que Zanin vem mostrando uma postura garantista e de menos exposição.
“Ele não é um juiz que se exponha midiaticamente, que se pronuncie publicamente, que fale no átrio da razão democrática. Ele prefere guardar as suas convicções consigo, o que me parece condizente com as boas expectativas de um membro do Poder Judiciário.”
Como presidente da turma, Zanin tem a tarefa de garantir o bom andamento do processo e a observância do devido processo legal, assegurando a manifestação das partes e a produção das provas no momento certo.