Por volta dos 15 anos de idade, Matheus Chaowiche Nassar começou a manifestar de forma mais aguda os sintomas do transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Na escola, muitas vezes não conseguia sequer começar uma prova. Preso aos rituais provocados pela doença, via o tempo se esgotar antes mesmo de conseguir pegar a caneta. Teve grandes dificuldades, mas concluiu o ensino médio. Hoje com 24 anos, ele praticamente gasta todo o seu dia nos rituais típicos da doença. Pode passar horas dentro do banheiro conferindo se janelas, box, torneiras, toalhas e sabonete estão alinhados ou fechados. Faz o mesmo com relação às suas roupas, aos objetos do seu quarto e à aparência física.

A vida das pessoas com TOC é cercada de aflições. Perseguidas por pensamentos intrusivos, elas são capazes de passar horas debaixo do chuveiro, esfregando a pele até deixá-la em carne viva. Às vezes, quase deixam de comer, por medo de se contaminarem com os alimentos. Para conseguirem pegar no sono, sentem a necessidade de conferir centenas de vezes se a porta de casa está trancada. Podem também desenvolver compulsão por arrumação e simetria, realinhando os mesmos objetos por horas e horas. Em alguns casos, acumulam de maneira obsessiva toda sorte de coisas sem valor. No auge do desespero, chegam a pensar em suicídio – ou tentar cometê-lo. Frequentemente, acabam por se isolar e deixam de estudar, trabalhar ou desenvolver quaisquer outras atividades sociais.

O tratamento convencional, com medicamentos e psicoterapia, apresenta bons resultados em cerca de 60% dos casos de TOC, explica o psiquiatra Marcelo Hoexter, coordenador do Programa Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (Protoc), que funciona desde 1994 no Instituto de Psiquiatria (IPq), do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Outros 30% conseguem algum alívio com uso intenso e combinado de remédios e terapia. Mas não se sabe exatamente por que um percentual pequeno de pacientes simplesmente não responde a nenhuma dessas terapêuticas. É o chamado TOC refratário. Para uma parte desses casos – cerca de 1% das pessoas com o transtorno –, a medicina só conhece um recurso: as intervenções cirúrgicas no cérebro.

Foi nessa direção que, em 2014, os pesquisadores do IPq deram início a um projeto pioneiro no país: o tratamento do TOC por meio da estimulação cerebral profunda, informa Fernando Tadeu Moraes, na edição deste mês da piauí. A técnica conhecida como DBS (na sigla em inglês) consiste em introduzir no cérebro do paciente eletrodos responsáveis por gerar uma sutil corrente elétrica em circuitos específicos do órgão. É um tratamento raríssimo no Brasil e no mundo: estima-se que, até hoje, não mais de quinhentas pessoas se submeteram ao procedimento.

O eletrodo responsável pela estimulação elétrica é caro – o kit com dois dispositivos e uma bateria custa cerca de 100 mil reais. A pesquisa do IPq foi viabilizada pela doação de dez kits, feita pela empresa americana de tecnologia Medtronic. Nassar foi o oitavo paciente a receber o dispositivo, sob os cuidados do neurocirurgião Fabio Godinho, em dezembro de 2023.

Esse tipo de intervenção no cérebro em quase nada se assemelha àquelas praticadas no passado, como a lobotomia – a mais célebre e disseminada técnica psicocirúrgica, que virou sinônimo de abusos, controles clínicos frágeis e pessoas com graves sequelas. A cirurgia atual é apoiada em controles éticos rígidos e técnicas cirúrgicas minimamente invasivas.

Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.





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