Crédito, Getty Images
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- Author, Kevin Nguyen y Alex Murray
- Role, BBC Verify
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Mais de dois milhões de palestinos em Gaza enfrentam uma crise de fome, com um aumento diário de mortes por desnutrição, denunciou a Organização das Nações Unidas.
A Fundação Humanitária de Gaza (FGH), um grupo apoiado por Israel e pelos Estados Unidos, atua na Faixa desde o final de maio e afirma já ter distribuído 91 milhões de refeições, principalmente por meio de caixas com alimentos.
Embora a BBC não tenha conseguido ver essas caixas diretamente — desde que Israel impediu a entrada de jornalistas internacionais no território palestino —, a BBC Verify examinou fotos e outras informações compartilhadas pela FGH e conversou com especialistas em ajuda humanitária, que expressaram preocupação com o valor nutricional do conteúdo.
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O que há nas caixas?
Nas redes sociais e na internet, circulam vídeos de palestinos mostrando o conteúdo das caixas, mas a FHG só compartilhou imagens nesta semana.
Duas fotos publicadas no X mostram, principalmente, alimentos secos que exigem água e combustível para serem cozidos, como macarrão, grão-de-bico, lentilhas e farinha de trigo.
Também mostram que as caixas incluem óleo de cozinha, sal e tahine (pasta de gergelim).
A FHG informou que essas caixas também contêm alimentos prontos para consumo, como barras de halva — um lanche popular feito com tahine e açúcar.
A organização forneceu uma tabela com o que descreve como uma “lista de referência” dos itens em cada caixa, com a divisão de calorias.
Uma caixa média contém 42.500 calorias e, segundo a tabela, pode alimentar 5,5 pessoas por 3,5 dias.
Ocasionalmente, o conteúdo inclui produtos substitutos como chá, biscoitos e chocolate, além de batatas e cebolas, mas esses itens não estão incluídos nos dados nutricionais, segundo informou a FHG.
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Graves deficiências
Um professor de desenvolvimento em cooperação internacional da London School of Economics analisou a lista fornecida pela FHG à BBC Verify e afirmou que, embora ela possa fornecer as calorias necessárias para a sobrevivência, apresenta sérias deficiências.
“Essencialmente, essa cesta enche o estômago, mas oferece uma dieta vazia”, afirmou o professor Stuart Gordon.
“O maior problema está no que falta… Trata-se, basicamente, de uma cesta alimentar de ‘primeiros socorros’, projetada para conter os efeitos devastadores da fome aguda”, explicou.
No entanto, ele advertiu que “uma dieta como essa, por semanas, levaria à chamada ‘fome oculta’, aumentando o risco de doenças como anemia e escorbuto”.
Já o doutor Andrew Seal, professor associado de nutrição internacional no University College London, apontou que as caixas de alimentos apresentavam deficiências de cálcio, ferro, zinco e das vitaminas C, D, B12 e K.
Ele também observou a ausência de alimentos adequados para crianças pequenas.
“O consumo prolongado desses alimentos, mesmo que em quantidades adequadas, causaria várias deficiências e sérios problemas de saúde”, afirmou.
Seal acrescentou que, ao contrário da FHG, organismos como a ONU costumam distribuir alimentos a granel e complementá-los com nutrição específica para grupos vulneráveis.
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O Programa Mundial de Alimentos (PMA) declarou que também tem como objetivo entregar suprimentos de emergência para crianças pequenas e mulheres grávidas.
A FHG não respondeu às perguntas da BBC Verify sobre os conselhos recebidos acerca do valor nutricional das caixas de ajuda, nem sobre se pretende abordar as preocupações levantadas pelos especialistas.
Quem consegue uma caixa ainda precisa de água e combustível para cozinhar os alimentos secos. Contudo, Gaza enfrenta uma severa crise hídrica e uma grave escassez de combustível.
O Escritório de Assuntos Humanitários da ONU (OCHA) alertou esta semana que a crise da água em Gaza está se deteriorando rapidamente. Também advertiu que as famílias tiveram que recorrer a métodos de cozimento inseguros e pouco saudáveis, como o uso de materiais descartados.
Em maio, o PMA declarou que o fornecimento de gás para cozinhar havia sido interrompido e que ele era vendido no mercado negro por preços até 4.000% superiores aos níveis anteriores ao conflito.
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, afirmou esta semana que os habitantes de Gaza enfrentam uma grave escassez de suprimentos básicos e que a desnutrição está aumentando vertiginosamente.
Quase uma em cada três pessoas em Gaza passa dias sem comer, denunciou o programa de ajuda alimentar da ONU.
“A desnutrição está aumentando e 90 mil mulheres e crianças precisam de tratamento urgente”, afirmou o Programa Mundial de Alimentos (PMA) na sexta-feira.
Com informações adicionais de Matt Murphy.
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