Será que os animais, ou ao menos alguns deles, percebem quando a morte se aproxima? É essa a questão do livro Playing possum: how animals understand death (Fingindo de morto: como os animais compreendem a morte), da espanhola Susana Monsó, publicado no fim do ano passado nos Estados Unidos e sem previsão de lançamento no Brasil.

Embora não seja bióloga nem zoóloga, mas filósofa, Monsó tem um interesse especial pela natureza da mente animal. Seu novo livro analisa o pos­sível estado interior de uma série de criaturas diante da iminência da morte. É, porém, a própria condição intelectual e emocional dos seres humanos que permeia a obra, como escreve a jornalista Kathryn Schulz na edição deste mês da piauí. A pergunta implícita do livro é esta: quanto qualquer ser vivo, humano ou não, pode realmente compreender so­bre o que significa morrer?

A filósofa se dedica à chamada tanatologia comparada, que estuda como diferentes espécies reagem à morte. A disciplina é nova, mas a questão é antiga. Remonta pelo menos a Charles Darwin, que em A descendência do homem observou: “Quem poderá dizer o que sentem as vacas quando rodeiam e fixam o olhar intensamente em uma companheira morta ou prestes a mor­rer?”

Monsó está interessada em colocar em xeque nossa tradicional relutância em ad­mitir a possibilidade de que o mundo animal possa entender a morte. Relutância que está relacionada ao velho apego, cada vez mais in­sustentável, ao excepcionalismo humano. Ou seja: à ideia de que somos seres únicos en­tre as espécies porque dotados de inúmeras características que não se en­contram em nenhuma outra criatura.

Os vários casos apresentados por Monsó e a análise que ela faz das reações de animais em face da morte também colocam em evidência ideias feitas de nos­sa tanatologia intuitiva. Costumamos, por exemplo, atribuir à ternura maternal e à tristeza o fato de um primata não querer largar o seu bebê morto. E pensamos que um cão que comeu o rosto de seu dono morto foi movido pelo apetite e a indiferença. Mas nenhuma des­sas inferências está necessa­riamente correta, diz a filósofa.

O comportamento da mãe primata pode sugerir uma incapaci­dade para compreender que o bebê mor­reu. Longe de estar inconsolável, talvez ela esteja apenas alheia ao fato real. Ou talvez seja movida pelo otimismo, já que a atitude de carregar o bebê morto parece ocorrer apenas com os chamados “estrategistas K” – as criaturas que investem uma enorme quantidade de tempo e recursos em um pequeno número de descenden­tes, como pri­matas e cetáceos. Para esses animais pode fazer senti­do, por mais que um bebê pareça sem vida, esperar pela possibilidade de que ele volte à vida.

Quanto ao cão, é preciso considerar o seguinte: cães selvagens em geral, quando encontram uma carcaça, começam a consumi-la pelo abdômen, a parte rica em nutrientes, e depois passam para os membros. Em 90% das vezes, eles nem sequer mordem a cara da presa. Já um cão de estimação que depara com seu dono morto, ele vai direto ao rosto cerca de 70% das ve­zes, e raramente morde o abdômen. A conclusão de Monsó é que o cão não tem a inten­ção de comer o falecido dono, mas apenas fazê­-lo reagir. Por isso se concentra no rosto, pois sempre fez isso, estudando as expressões faciais do ser humano a fim de perceber suas atitudes e seu humor.

Assinantes da revista podem ler a íntegra do texto neste link.





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