Nesta sexta-feira, 12 de setembro, a música brasileira celebra os 90 anos de um de seus nomes mais corajosos e fundamentais: Geraldo Vandré. Mais do que um compositor, Vandré se tornou um ícone, um símbolo de uma época em que a canção era arma, protesto e hino de uma geração que marchava braços dados contra a repressão.
A princípio, seu nome está eternamente ligado a “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores” (ou simplesmente “Caminhando”), uma das canções mais poderosas e explosivas já entoadas neste país. Contudo, reduzir sua obra a esse marco, por maior que seja, é deixar de fora um repertório repleto de poesia combativa e melodias inesquecíveis. E até em tempos atuais. Basta se lembrar daquele final fabuloso de Bacurau, onde o Réquiem para Matraga aparece de forma sublime para fechar com chave de ouro essa película nordestina.
O auge no Maracanãzinho: O povo deu o veredito
A história do III Festival Internacional da Canção (Rede Globo, 1968) é lendária. A final, disputada no Maracanãzinho, tinha duas gigantes: “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, e “Caminhando”, de Vandré.
Quando os júris anunciaram “Sabiá” como vencedora e “Caminhando” em segundo lugar, o público – majoritariamente composto por estudantes que haviam adotado a música de Vandré como hino do movimento estudantil – reagiu com uma das vaias mais históricas e prolongadas já registradas.
Contudo, nem os apelos do próprio Vandré pelo microfone conseguiram acalmar a plateia. Aquele momento, do qual só restou o áudio, foi a consagração definitiva da canção como voz coletiva. Ela já não pertencia mais apenas ao artista, mas ao povo.
“Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais, braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não”
Além de “Caminhando”: A Trajetória nos Festivais
Vandré já era uma força consolidada na música brasileira muito antes de 1968. Sua carreira foi marcada por sucessos em festivais, sempre com letras de forte teor social. A tabela abaixo resume suas principais conquistas nesse palco:
Música | Ano | Festival | Intérprete | Colocação | Parceiro |
---|---|---|---|---|---|
Disparada | 1966 | II Festival de Música Popular Brasileira (Record) | Jair Rodrigues | 1º Lugar (empatada com “A Banda”) | Théo de Barros |
Porta-Estandarte | 1966 | Festival da Excelsior | Vandré e Tuca | 1º Lugar | Fernando Lona |
Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores (“Caminhando”) | 1968 | III Festival Internacional da Canção (Globo) | Geraldo Vandré | 2º Lugar | – |
Disparada, em parceria com Théo de Barros e na poderosa voz de Jair Rodrigues, é um épico sobre a transformação e a consciência de classe do homem do campo. Já Porta-Estandarte, uma parceria com Fernando Lona, é um canto de esperança e resistência (“Deixa que a tua certeza se faça do povo a canção”).
A arte como ponte para a voz das ruas
Ao mesmo tempo, o valor monumental de Vandré está na ponte que ele construiu entre a arte e a rua. Suas canções não eram herméticas; eram diretas, combativas e falavam a linguagem do trabalhador, do estudante, do homem comum.
Ele cantava o trabalho, a dignidade e a coragem com uma forma simples por escolha: violão firme, andamento de marcha, voz sem floreios. Essa simplicidade era sua genialidade. Era o que permitia que suas músicas coubessem em praças, escolas e rodas de amigos, virando encontro, conversa e caminhada.
Em suma, seu legado não é apenas nostálgico. É urgente. Em um tempo onde as lutas sociais seguem mais necessárias do que nunca, a obra de Geraldo Vandré permanece como um lembrete potente do poder transformador da canção. Ele falou das flores, sim, mas falou principalmente da semente de justiça que queria plantar.
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