Que solidão absurda! Que vida mínima!
Foto/Divulgação.

Lamento não ter visto Dias Perfeitos, de Wim Wenders, quando de sua exibição nos cinemas, em 2023. Vejo somente agora numa dessas plataformas de streaming.

O alemão Wim Wenders, que agora está com 80 anos, fazia cinema desde o final da década de 1960, mas acredito que ele só conquistou em definitivo o coração dos cinéfilos do mundo quando realizou Paris, Texas, em 1984.

Antes de Paris, Texas, Wenders estava no meu radar por causa de três dos seus filmes que vi: O Amigo Americano (1977), Hammett (1982) e O Estado das Coisas (1982).

Hammett é um filme muito interessante em que Wenders revisita o gênero noir, tendo como personagem o escritor Dashiell Hammett, interpretado por Frederic Forrest.

Asas do Desejo (1987) já é um sucesso posterior ao êxito de Paris, Texas. E há o documentário Buena Vista Social Club, rodado em Cuba em 1998.

Buena Vista Social Club parte da descoberta que o guitarrista americano Ry Cooder fez de artistas cubanos relegados ao esquecimento. Há quem ache o filme anticomunista.

Wim Wenders cultuava Nicholas Ray, mestre outsider do cinema americano, e, em Nick’s Film, filmou a morte do notável realizador de Johnny Guitar e Juventude Transviada.

Dias Perfeitos nasceu de uma ideia que não se materializou – um documentário talvez de curta-metragem que se transformou num longa-metragem de ficção.

Wim Wenders foi chamado a Tóquio para conhecer os banheiros públicos da cidade. São pequenas joias arquitetônicas que poderiam ser vistas por ele num documentário.

Mas Wenders optou pela ficção em longa-metragem. O personagem central é Hirayama, um lavador de banheiros públicos soberbamente vivido pelo ator Koji Yakusho.

Wenders acompanha o cotidiano de Hirayama num filme de ritmo lento e poucas palavras que se estende por 120 minutos. É para ser contemplado, mais do que para ser visto.

Hirayama mora sozinho, gosta de ler, de cuidar de suas plantinhas e de ouvir música em velhas fitas cassete que coleciona. Tem uma pequena van e com ela vai ao trabalho.

Seus dias são milimetricamente iguais, e isso Wenders nos mostra três, quatro vezes seguidas. Até que o aparecimento de uma sobrinha muda um pouco o ritmo do filme.

Wim Wenders ficou surpreso e admirado com o modo com que os japoneses se refizeram depois da pandemia. Ora, eles se refizeram da destruição de uma guerra.

Li críticos que enxergam em Dias Perfeitos uma exaltação da vida simples através do que Hirayama tem e de como ele vive, numa casa pequena, num trabalho modesto.

Para além disso, prefiro constatar que Dias Perfeitos nos põe diante de um personagem que leva uma vida mínima num estado da mais absurda solidão. E isso é doloroso.

Dias Perfeitos tem muita música. A música que Hirayama ouve. Começa com The House of the Rising Sun, na versão do grupo britânico The Animals, que popularizou essa canção folk nos anos 1960, e termina com Nina Simone cantando Feeling Good.

“É um novo amanhecer/É um novo dia/É uma nova vida para mim/E estou me sentindo bem”. É o que a gente ouve na voz irresistivelmente bela de Nina Simone. E é o que Hirayama ouve enquanto segue em sua van para mais um dia de trabalho.



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