A Esquina piauí + Netflix abriu as portas nesta sexta-feira (1º) para o segundo dia de conversas na 23ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Confira aqui a cobertura em tempo real.
Neste momento, o editor de literatura da piauí Alejandro Chacoff recebe o escritor português Valter Hugo Mãe para conversar sobre a adaptação cinematográfica de seu livro O filho de mil homens. Também participam da conversa o diretor do filme, Daniel Rezende, a líder de filmes da Netflix Brasil, Higia Ikeda, e, numa participação especial e imprevista, o ator Rodrigo Santoro, que interpreta o protagonista da história, Crisóstomo.
“Foi o melhor papel da vida dele”, brincou Mãe, que já assistiu ao filme. A obra, produzida pela Netflix, tem previsão de lançamento para este ano. “Estou em uma fase em que não choro, a vida foi uma porcaria nos últimos anos, mas quando vi o filme não fiz outra coisa a não ser chorar”, disse o escritor. Santoro se emocionou ao falar de seu personagem. “Não consigo nem classificar o Crisóstomo [em comparação com outros papéis].”
Rezende explicou que, ao fazer a adaptação, tentou ser radicalmente fiel ao livro de Mãe. “Mas conforme fomos transformando as palavras em gestos, imagens — quanto mais distante do livro, mais próximo ele ficou. O filme tem o seu DNA.” Ele diz ter se esforçado para traduzir de maneira sóbria a espiritualidade do romance. “Trabalhamos muito a sutileza e as sensações. O olhar, o cheiro. O toque.” Ikeda disse esperar que o filme alcance não só o público brasileiro ou português. “É o meu maior desejo [que uma produção lusófona ganhe espaço no mercado internacional].”
Mais cedo, a repórter da piauí Consuelo Dieguez recebeu a escritora Sílvia Gomez, autora da peça Lady Tempestade, e a escritora chilena Alia Trabucco Zerán, que publicou A subtração, e, mais recentemente, As homicidas. Elas conversaram sobre como retratar a violência política e institucional pelo olhar de protagonistas mulheres.
Consuelo Dieguez, Sílvia Gomez e Alia Trabucco Zerán
Protagonizada por Andréa Beltrão, Lady Tempestade trata do diário da advogada pernambucana Mércia Albuquerque, que defendeu ao menos quinhentos presos políticos durante a ditadura militar no Brasil. “No momento em que você lê o diário, você não tem como esquecer ou fingir que não leu”, disse Gomez. Segundo ela, a pesquisa e os ensaios que resultaram na peça levaram cerca de um ano. “A gente batia a cabeça na parede, tentando adaptar o diário à dramaturgia. Até que chegamos à ideia de fazer um diário do diário.” Na peça, uma mulher chamada A. recebe o diário de Mércia e passa a ser assombrada por ele. “Essa personagem traz para o presente uma indagação: aquilo que aconteceu no passado continua acontecendo hoje?”, explicou Gomez.
Alia Zerán falou sobre o processo de apuração e escrita de As homicidas, livro que conta a história de quatro crimes cometidos por mulheres. Os quatro se tornaram célebres no Chile no século XX, ganhando contornos sensacionalistas na imprensa. Para Zerán, são demonstrativos de como a Justiça, a opinião pública e a cultura de modo geral são permeados pela misoginia. “A imprensa, peças de teatro, músicas, todo mundo falava dessas mulheres assassinas. Queriam, principalmente, botá-las de volta no lugar de mulher. A violência praticada pelas mulheres não era tão interessante, para mim, quanto a violência aplicada para que elas voltassem aos seus lugares”, disse a autora.
Pela manhã, o diretor de redação da piauí, André Petry, bateu um papo com os repórteres Allan de Abreu, Ana Clara Costa e João Batista Jr. sobre furos de reportagem. O furo é frequentemente associado à rapidez da notícia – à maneira pela qual um veículo de imprensa consegue divulgar uma informação de interesse público antes de todos os outros. Mas para uma revista mensal, especializada em reportagens longas, o conceito se complexifica. O que é um furo da piauí? De que forma ele é distinto de um furo dado por um jornal diário ou uma revista semanal?
André Petry, Allan de Abreu, João Batista Jr. e Ana Clara Costa
“Há três tipos de furo: o furo de quem chega antes, o furo que é dado quando todos os jornalistas estão ali e o furo de quem chega depois. Este último é contraintuitivo, mas é o que a piauí mais faz”, disse Petry. “Por baixo de cada história mal contada há um furo escondido.”
Um exemplo disso é o escândalo sexual que levou à demissão do ex-ministro Silvio Almeida, em setembro de 2024. Ana Clara Costa contou que, à época, vinha preparando uma reportagem sobre a situação das mulheres no governo Lula. No curso da apuração, percebeu que a melhor maneira de fazer isso era reconstituir exatamente o que aconteceu entre Almeida e a ministra Anielle Franco, que o acusou de assédio sexual. O resultado foi a reportagem Estilhaços na sala, que não apenas esclareceu o caso em um nível de detalhes inédito como demonstrou a inação do governo durante todo o processo.
Allan de Abreu comentou como foi o processo de apuração da reportagem “Coisas extravagantes”, publicada em abril, que revelou os desmandos de Ednaldo Rodrigues à frente da CBF. “As pessoas sabiam que havia algo errado na gestão do futebol brasileiro. Nós fomos atrás da causa dos problemas.”
“Tem matérias que são feitas sem documento de inquérito ou da polícia, na unha mesmo. Por isso a apuração demora tanto pra descobrir algo não revelado”, disse João Batista Jr., ao comentar suas reportagens sobre o mundo das bets (O bonde do tigrinho e A república do tigrinho).
Passarão pela casa ainda hoje os convidados Valter Hugo Mãe, Daniel Rezende e Higia Ikeda.
Na quinta-feira (31), Armando Antenore, editor da piauí, recebeu no palco a escritora Ana Maria Gonçalves, autora de Um defeito de cor. A escritora mineira se tornou, há poucos dias, a primeira mulher negra eleita para a Academia Brasileira de Letras (ABL). Sua editora, Livia Vianna, da Record, também participou do bate-papo.
O editor Armando Antenore, a escritora Ana Maria Gonçalves e a editora Livia Vianna
Gonçalves falou sobre o pioneirismo na ABL. “Sou a primeira, mas vou agir para que não seja a última.” E contou que, antes de lançar a candidatura, falou com a escritora Conceição Evaristo, um nome sempre lembrado para a academia. “Antes de tomar qualquer decisão eu consultei a Conceição. É uma candidatura coletiva – simbolicamente, estamos entrando juntas. Mas falar da representatividade já não basta. Não dá mais para ser a única representando uma multiplicidade de pessoas. Não estou lá para representar. Quero estar lá para produzir mais presenças.”
Uma hora antes do início, já se formava a longa fila da foto acima para a mesa com Ana Maria Gonçalves.
A escritora leu, ao final da conversa, um trecho inédito de seu novo projeto literário – um relato pessoal a respeito do envelhecimento e da menopausa. O trecho pode ser lido aqui.
O curador Alejandro Chacoff (de camisa azul) e o editor Armando Antenore recebem a autora Ana Maria Gonçalves e a editora Livia Vianna na entrada da Esquina piauí+Netflix
Na quinta-feira (31) à tarde, o editor Luigi Mazza conversou com os repórteres Gilberto Porcidonio e Tiago Coelho sobre jornalismo cultural na piauí, na mesa O pop levado a sério.
Mazza, Porcidonio e Coelho
Porcidonio comentou uma reportagem sua sobre a última turnê da banda Sepultura, ao lado da qual caiu na estrada, de Buenos Aires a Belo Horizonte. O jornalista falou do cuidado para lidar com uma banda sobre a qual já conhecia tantas histórias. “Me lembrou um jargão da antropologia: tornar estranho o que é comum e comum o que é estranho. Não faria uma matéria para mim, mas para quem nunca ouviu Sepultura na vida e nem sabe o que é heavy metal.”
Coelho mostrou trechos inéditos de áudio de entrevistas com o cantor João Gomes, que foi tema de um perfil na piauí em agosto de 2024. “O perfil é uma chance de você olhar um artista por um outro ângulo. Depois que o João Gomes mostrou estar triste no perfil, quando você o via cantando animado no Luciano Huck você sabia que tinha um lado que ele não mostrava”, disse. “Na piauí, o que leva a um bom perfil é o desejo de saber, por exemplo, por que aquele garoto está cabisbaixo. Não fico preocupado com tendência de rede social. Eu me interesso é em saber mais sobre aquele personagem e contar aquela história.”
Quintana e Santa Cruz na mesa inaugural da Esquina piauí + Netflix
Na primeira mesa da Esquina piauí + Netflix, na quinta-feira (31), a repórter Angélica Santa Cruz recebeu a médica paliativista Ana Claudia Quintana Arantes no Conversa com a Fonte.
Arantes é autora de oito livros, entre eles o best-seller A morte é um dia que vale a pena viver, e falou sobre a experiência no cuidado com pacientes terminais. Seu trabalho foi tema de uma reportagem de Santa Cruz na piauí.
O endereço da Esquina é Rua Dr. Pereira, nº 139, no Centro Histórico. A casa conta com um espaço para um café no jardim e exposição de imagens do filme O filho de mil homens. O acesso à casa é gratuito, e o público é acomodado por ordem de chegada. A curadoria é de Alejandro Chacoff, editor de literatura da piauí.
O curador Alejandro Chacoff dá as boas-vindas antes da mesa de abertura da Esquina piauí + Netflix, com a médica paliativista Ana Claudia Quintana Arantes (ao centro) e a repórter Angélica Santa Cruz
Próximas atrações
Sexta feira, 1º de agosto
17h30/18h30 – O filho de mil homens: do livro às telas
Valter Hugo Mãe, Daniel Rezende e Higia Ikeda (Netflix)
Mediação: Alejandro Chacoff (piauí)
O autor português do romance O filho de mil homens, o diretor da versão cinematográfica da obra e a líder de filmes da Netflix Brasil falarão sobre o processo de adaptação do livro e os bastidores da produção.
Público aguarda o início da programação no jardim da casa
11h/12h – The piauí Herald: a política no humor, o humor na política
Roberto Kaz, Renato Terra e Afonso Cappellaro
Mediação: Mari Faria (piauí)
Uma conversa sobre a história do piauí Herald, e, de forma mais abrangente, sobre a mudança na cobertura humorística desde a fundação da piauí. É mais difícil fazer humor frente a uma realidade caricatural? Quais os efeitos do acirramento de tensões políticas no humor? Como interpretar o aumento da importância de comediantes no imaginário popular? Roberto Kaz e Afonso Cappellaro – os redatores atuais do piauí Herald – conversam com Renato Terra, ex-redator do Herald e colaborador da revista.
15h30/16h30 – Encontro com o autor
Valter Hugo Mãe + Pedro Pacífico
O autor português Valter Hugo Mãe será entrevistado por Pedro Pacífico, o influenciador Bookster, sobre sua obra e trajetória.
17h30/18h30 – Apocalipse nos Trópicos
Petra Costa + Alessandra Orofino
Mediação: José Henrique Bortoluci
A cineasta Petra Costa e a produtora Alessandra Orofino conversam sobre Apocalipse nos Trópicos, o documentário mais recente de Costa, que narra o crescimento da influência política do cristianismo evangélico e sua relação com a extrema direita.
19h/20h – Abdias Nascimento, intérprete do Brasil
Tulio Custódio e Alcino Leite Neto (piauí)
O sociólogo Tulio Custódio falará sobre a vida e a trajetória de Abdias Nascimento – ativista do movimento negro, senador, dramaturgo, artista plástico e um dos principais intelectuais do século XX no Brasil –, discutindo o processo de mergulhar em sua obra para produzir uma coletânea de alguns dos textos mais marcantes do autor.
O editor Armando Antenore, com a escritora Ana Maria Gonçalves e a editora Livia Vianna