Por Marcos Cardoso*
A política é um campo favorável à proliferação de personagens exóticos. Toda eleição brotam os candidatos com nomes ou apelidos incomuns, que não têm expressão política e buscam se destacar e atrair a atenção do eleitorado de forma criativa. Esses nomes podem incluir referências a figuras populares, apelidos relacionados a características físicas ou comportamentais, ou até mesmo nomes inspirados em personagens de filmes, desenhos animados ou músicas.
Em toda eleição pululam país afora figuras folclóricas como Capitão América, Engraxate das Estrelas, Orlando Cannabis, Gato Velho e Negona de Bolsonaro. Alguns alcançam o sucesso, como o palhaço Tiririca, deputado federal pelo PL de São Paulo, Hélio Negão ou Hélio Bolsonaro, deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro, o Palhaço Soneca, vereador pelo PSD de Aracaju, e Luizão Donatrampi, deputado estadual pelo PL de Sergipe.
Mecânico de profissão, natural de Itabaiana, Donatrampi, como o pseudônimo sugere, é fã incondicional de Donald Trump desde que o milionário americano governou os EUA pela primeira vez, de 2017 a 2021. É também um ferrenho defensor do ex-presidente Jair Bolsonaro, a quem considera um injustiçado.
Parlamentar relativamente atuante, ele deve ao capitão reformado sua eleição, pois é um dos muitos beneficiados pela onda bolsonarista que se alastrou pelo país desde a eleição de 2018, elegendo governadores, prefeitos e parlamentares alinhados com a extrema-direita.
Donatrampi demonstra preocupação com a educação e apresentou alguns projetos de lei voltados para a escola. Um projeto dispõe sobre a “vedação de práticas, materiais, conteúdos e atividades de cunho erótico ou sexualmente sugestivo nas instituições de ensino públicas e privadas”. Outro dispõe sobre a “vedação à prática de militância político-partidária por agentes públicos e profissionais da educação nas instituições de ensino da rede pública em geral”.
E um outro projeto, esse mais complexo, “institui a proibição do ensino ou abordagem disciplinar do holocausto, holodomor e outros genocídios históricos sob os prismas do negacionismo ou revisionismo histórico, no âmbito do sistema estadual da educação básica do estado de Sergipe”.
Recentemente, esteve no programa de Luiz Carlos Focca, na rádio Transamérica, para defender o seu líder político e atacar aqueles que estariam praticando ilegalidades contra ele. Toda vez que a emissora do Sistema Atalaia precisa de alguém para falar bem de Bolsonaro e espinafrar Lula, Donatrampi é convocado.
Mas dessa vez ele apresentou uma novidade. Pretende lançar-se candidato a senador no próximo ano. Seu principal projeto já está definido: fazer uma maioria de extrema-direita no Senado para aprovar o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal, Xandão à frente, implantou a ditadura do Judiciário, pratica um ativismo judicial que cerceia a liberdade de expressão e persegue Bolsonaro sem que ele tenha cometido nenhum crime. É o discurso matraqueado pelos seguidores do ex-presidente, sem argumento lógico que se sustente. Mas e daí? O eleitorado gosta.
Um dos preceitos fundamentais e cláusula pétrea da Constituição é a liberdade de expressão e no Brasil esses caras podem falar todas as falácias que falam por aí, inclusive, que vivemos numa ditadura e não temos liberdade de expressão. Eles não se enganam, mas contam lorotas para quem quer ser enganado.
Donatrampi é o arquétipo do inocente útil que serve à extrema-direita bolsonarista. É usado como instrumento para promover ou defender causas, ideias ou ações que podem ter objetivos manipuladores ou prejudiciais, sem que perceba, movido por boas intenções, ingenuidade ou ignorância.
Muitos se arrependeram ou foram abandonados à própria sorte, como Joice Hasselmann e Gustavo Bebianno, ou os notáveis Reinaldo Azevedo, Danilo Gentilli, Lobão, Fagner, Marco Antônio Villa, Gilberto Dimenstein, Alexandre Frota, Rachel Sheherazade e Eduardo Costa.
O deputado Hélio Negão ou Hélio Bolsonaro, militar da reserva, é um resistente da tropa bolsonarista. É o típico inocente útil servil a Bolsonaro. Se o capitão mandar vestir a bandeira de Israel para defender valores cristãos, ele veste. Mesmo sem saber que a única relação que Cristo tem com o estado judeu é que Jesus nasceu na Palestina.
Da mesma forma, Hélio Negão veste a camisa com o rosto de Margaret Thatcher, certamente sem saber que a primeira-ministra britânica apoiava o apartheid que perseguia e matava os negros da África do Sul. Ora, quem precisa saber disso?
Esses senhores, que consideram o STF um tribunal viciado e acham que Donald Trump está certo em taxar o Brasil, não são necessariamente criminosos, como aqueles que participaram da tentativa de golpe de estado incitados por Bolsonaro, mas servem a uma causa indefensável. E a extrema-direita, o mundo inteiro sabe, sempre joga no quanto pior, melhor.
*Marcos Cardoso é jornalista. Autor, dentre outros livros, de “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” (Editora UFS, 2008), do romance “O Anofelino Solerte” (Edise, 2018) e de “Impressões da Ditadura” (Editora UFS, 2024).
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