“Inequívoco presidenciável.” Assim Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa, apresentou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em um evento promovido pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, no início de julho, em Lisboa. A plateia, composta por ilustres do mundo jurídico e empresarial, quase todos brasileiros, aplaudiu. Tarcísio estava incumbido de fazer duas palestras. Nelas, abordou temas nacionais, mas também falou sobre geopolítica e multilateralismo. “Se o mundo precisa de um parceiro confiável em segurança alimentar, nós estamos aqui”, disse.
Poucos dias depois, em 9 de julho, Donald Trump anunciou o tarifaço de 50% sobre as exportações brasileiras para os Estados Unidos – e Tarcísio jogou o “parceiro confiável” na fogueira. As tarifas atingirão em cheio a agricultura e toda a cadeia industrial paulista, mas o governador achou melhor defender publicamente seu ex-chefe, Jair Bolsonaro, do que a economia de São Paulo. A agricultura e a indústria paulistas – de onde saem mais de 13 bilhões de dólares em exportações anuais para os Estados Unidos – ficaram órfãs de defensores em casa.
Um advogado que conhece Tarcísio há vinte anos assistiu à sua palestra no evento em Lisboa e, depois, testemunhou o efeito do tarifaço em São Paulo. Ele conta como os ventos mudaram. “Em Lisboa, quando o Tarcísio terminou de falar, ficou muito tempo ainda ali recebendo os cumprimentos das pessoas. Todos encantados. Era como se houvesse um fluxo inexorável de apoio a ele. Um movimento meio avassalador, desses que acontecem na política e ninguém consegue parar.” Depois, em São Paulo, a frustração foi meio geral, segundo o advogado. “A verdade é que Tarcísio não consegue ser tudo o que as pessoas querem que ele seja. Gestor e estadista ao mesmo tempo. Democrata, bolsonarista e tucano. Ele tem uma visão tática, não tem visão estratégica. Ele pensa na conjuntura do dia, o que faz com que as suas mudanças de vento sejam bruscas. Aí ele perde a consistência e as pessoas se perguntam: ‘No que ele acredita, afinal?’”
Com sua ciranda, Tarcísio não conseguiu ganhar nem a gratidão da família Bolsonaro. Ao contrário. O deputado Eduardo Bolsonaro, que disputa com o governador o “dedaço” presidencial de seu pai, não gostou. Jair Bolsonaro também malhou o governador numa entrevista à CNN. O clima de paz aparente só voltou a reinar depois que Bolsonaro recebeu números da última pesquisa Quaest mostrando que, pela primeira vez desde o Oito de Janeiro, a direita estava batendo cabeça e dividira-se no discurso. Ele então recalculou a rota dizendo ter colocado “uma pedra em cima desse assunto”. Mas o estrago já estava feito, ao menos para Tarcísio. O caminho que o governador vinha fazendo para obter o apoio de Bolsonaro à sua candidatura presidencial se alterou dramaticamente. As tensões – tarifas escorchantes, vistos cancelados, ameaças de novas sanções, tornozeleira eletrônica – tumultuaram o que antes parecia claro: o candidato do ex-presidente em 2026 seria um membro de sua família ou Tarcísio. Agora, nem mesmo isso é dado como certo.
Da parte do mercado, a frustração com Tarcísio pode ser medida pelo termômetro de Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central, ventilado como futuro ministro da Fazenda, caso o governador vire presidente. Em junho, seus modelos econométricos, usados para medir chances eleitorais, indicavam que o governador tinha 80% de probabilidade de vencer Lula no ano que vem. Agora, ressabiado, o ex-ministro tem dito a amigos que é mais prudente buscar um outsider para 2026. Tarcísio parece não ser mais o plano A.
Um ex-colega de Tarcísio na Esplanada dos Ministérios classifica a flexibilidade do governador como coisa de “bolsonarista fajuto”, que tenta se cacifar como aliado fiel de Bolsonaro, enquanto delega a Gilberto Kassab a função de fazer política no estado. Para interlocutores mais ligados à esquerda, em outro lance camaleônico, o próprio Tarcísio já disse que usou o boné do Maga porque precisa jogar iscas para agradar o bolsonarismo a cada dois meses.
Um influente operador de Brasília, que conhece Tarcísio bastante bem, atribui a facilidade com que o governador altera seu rumo – ora radical bolsonarista, ora direita moderada, ora apenas tecnocrata – ao contexto político atual. “Ele tem o estilo de ficar agradando todo mundo. E político, para ter voz, tem que ter lado. A pior coisa para um político é não ter discurso. Até agora, ele não precisou ter discurso porque a eleição caiu no colo dele.”
Tarcísio, por sua vez, também está mais fragilizado porque o tarifaço atiçou apetites alheios. Os governadores Romeu Zema, de Minas Gerais, e Ronaldo Caiado, de Goiás, correram para avisar ao público que fariam de tudo para indultar Bolsonaro, caso se elegessem. Ratinho Junior, do Paraná, também levantou a cabeça. Feitas as contas, a aparente unidade da direita se quebrou e, entre todos os nomes na berlinda, Tarcísio tem uma peculiaridade que não o ajuda: ele é o mais dependente da boa vontade de Bolsonaro. A avaliação é de Aldo Rebelo, o conselheiro do ex-presidente que já foi comunista e ministro de Lula e Dilma: “Ao contrário do Caiado, do Ratinho e do Zema, que construíram uma história própria em seus estados, Tarcísio em São Paulo é uma criação de Bolsonaro. Com o apoio de Bolsonaro, é um forte candidato. Sem ele, é inviável.” Sua opinião não mudou depois do tarifaço.
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