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    A dança dos vetores – revista piauí

    21 de julho de 202518 Minutos de Leitura
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    Estávamos em março, início de semestre na PUC-Rio. Havia acabado de dar as três aulas do dia, quando reencontro outro professor, depois das férias de verão. Ele nem me deu bom-dia.

    “Cara, você que gosta desse negócio de construção de linguagens diferentes, já está vendo Adolescência?”

    Naqueles dias, assim como nos atuais, lia obsessivamente sobre o começo do fim do mundo pelas ordens de Donald Trump. Não dei importância à minha relativa alienação.

    “Não, não tô sabendo. É boa?”

    Não era essa a pergunta. Como assim, “é boa”?! Falar em Adolescência para quem trabalha com audiovisual, como é o meu caso, necessariamente implica, desde as primeiras horas, em algum comentário que passe pela expressão “plano-sequência”. Mas eu ainda não tinha essa consciência, muito menos a informação.

    “Pô, Nachbin, a série é toda em plano-sequência! Você vai pirar.”

    Hoje percebo que a previsão dele foi cirúrgica. Mas, naquela hora, achei que seria apenas um exagero do meu amigo professor.

    “Toda em plano-sequência, assim, toda mesmo? O que você quer dizer?”

    E o meu amigo, em tom professoral: “Toda em plano-sequência significa que eles deram REC para começar a gravar e só apertaram o REC de novo no fim do episódio. Para encerrar.”

    Dei um risinho meio sem graça.

    “Cara, beleza, boa definição de plano-sequência, mas não tô crendo ainda que é um episódio inteiro, sei lá, de 40 ou 50 minutos? Cê tá falando sério?”

    “Nachbin, se liga: são quatro episódios, todos em plano-sequência.”

    “Tá… Mas, você quer dizer que são vários planos, em sequência, planos longos, montados em sequência. Ainda assim, pode ser que não se caracterizem como plano-sequência.”

    “Plano-sequência, plano-sequência! Rodou câmera, começa a filmagem e o fim do plano acontece no último frame do episódio. É isso.”

    Fiquei mudo e pasmo, imaginando o tempo de ensaio para que isso tivesse dado certo.

    “Meu, que loucura! Isso é quase impossível de se fazer.”

    O meu amigo deu uma risada e se despediu.

    “Meu irmão: se prepara para ver porque é f…”

    Fui direto para o site do jornal The Guardian, versão do Reino Unido. Digitei apenas Adolescence. Essa foi a primeira referência que apareceu: Adolescence review – the closest thing to TV perfection in decades

    E eu, sozinho, mentalmente, repetia para mim mesmo: “Caraca! Caraca! Caraca! Caraca!”

    A minha sequência sonora interna – “Caraca! Caraca! Caraca! Caraca!” – ressoava a cada novo review que eu lia.

    Não tive coragem para dar play no trailer.

    Como se tratava claramente de um produto audiovisual especial, “plano-sequência, plano-sequência”, processei que eu também precisaria me preparar para o momento tão esperado.

    Assim sou eu, quando pressinto que o envolvimento emocional será alto – seja pela via da euforia ou frustração. Nessas situações nada cotidianas, simplesmente protelo à espera do surgimento do tal “momento especial perfeito”.

    O plano-sequência mexe comigo. É um recurso de linguagem audiovisual que habita o meu imaginário desde sempre. Quando comecei a filmar documentários de forma independente, lá atrás, na virada de 1997 para 1998, desenhei um projeto para apresentar Malé, a capital das Ilhas Maldivas, em plano-sequência. Malé é uma ilha com pouco mais de 1 km de extensão. Desenhei o percurso, calculei quantas paradas a câmera faria (sem interromper a gravação, claro), estimei o tempo de gravação de uma ponta à outra da ilha. Na minha cabeça, chamava de “um plano-sequência antropológico”. Nenhum foco em turismo. O projeto ficou bom. Saiu do papel? Não. Acho que acabei não oferecendo a ninguém.

    Ou seja: sigo com o meu maior sonho audiovisual ainda não realizado. Não tenho um único filme em plano-sequência para exibir. Está na minha lista de frustrações.

    Por alguns motivos bem claros e outros um tanto obscuros, me envolvi emocionalmente com Adolescência antes do primeiro play.

    “Nachbin, você vai pirar, pirar, pirar, pirar…” A frase do meu amigo ecoava.

    Até que, num sábado de manhã, sem entender o porquê de ter sido naquele instante, me sentei na cadeira da mesa de trabalho, em casa, com o computador aberto, caderno e caneta à mão, para finalmente ver a série. Sequer cogitei o aconchego do sofá. Me sentia como se fosse começar uma prova. Percebi a coluna ereta, senti a boca seca, coloquei o celular no modo avião, resolvi pegar mais um copo de água, coloquei uma maçã ao lado do caderno, fui botar comida para os gatos, tirei o celular do modo avião, respondi uma mensagem que chegara três dias antes, chequei rapidamente outras, bebi a água, mordi a maçã, levantei de novo, fiz um café, tomei lendo notícias dos Estados Unidos… Até que, finalmente, dias, horas, minutos e tudo que descrevi depois, eis que consigo dar play no produto do qual o mundo audiovisual estava falando: a série em plano-sequência.

    Com dois minutos de primeiro episódio, pausei. Escrevi no caderno, usando a cor vermelha – que remete à gravidade do conteúdo:

    O episódio começa com movimentação conservadora da câmera. O domínio da oralidade é completo.

    Percebam o engano. Havia me preparado, psicologicamente, para me apaixonar. Nunca experimentei um encontro amoroso marcado por aplicativo, mas acho a comparação interessante. Duas pessoas que nunca se viram se predispõem a embarcar numa paixão. Se colocam como prontas para isso. Pode dar bom e pode dar ruim, obviamente.

    Era este o estado de espírito de um homem carente em perceber inovações no campo da linguagem audiovisual.

    Logo depois, muito de repente, um pouco antes do primeiro episódio entrar no minuto 3, foi como se acontecesse o “click” entre os dois amantes do encontro inicial.

    Acompanhem a descrição da primeira grande sequência. A câmera se comportava de forma conservadora, filmando dois policiais dentro do carro – uma mulher e um homem. Em certo momento, o carro começa a se deslocar e a câmera segue o movimento, de forma independente. Ela decola e se descola de um foco específico. Apenas nos conduz, pelo trânsito, com um crescente sentido de urgência.

    O carro de polícia que vimos no início e outro carro de polícia chegam, na mesma hora, em frente a uma casa. São os vetores que conduziram o nosso olhar. O papel de vetor principal da ação, em seguida, é passado para os policiais enfileirados que arrombam a porta, sobem correndo a escada e nos levam até o quarto onde está um menino.

    Naquele momento, já me apaixonei. Sem aviso prévio, fui arrebatado pela mais linda “dança dos vetores” que eu vi “in decades”. Copio a referência temporal do Guardian.

    Vetores são indicadores de direção que disputam a atenção do espectador. Fui apresentado ao universo de conceitos estéticos aplicados ao audiovisual por Herbert Zettl, meu orientador de tese de mestrado em São Francisco, Califórnia, e autor de Sight Sound Motion: Apllied Media Aesthetics – o livro que é a minha Bíblia. Vai ganhar a disputa o vetor que chamar mais a atenção ou que se mostrar mais relevante. Volume, cor e velocidade são variáveis importantes. Uma pessoa que vira a cabeça e olha para o lado constitui um vetor. Um avião supersônico cruzando o céu é outro vetor. Assim como a bolinha de tênis que vai para lá e para cá.

    De volta à cena: no trajeto pela escada, os policiais passam por um homem – que olha, fala e faz gestos. É o pai do protagonista. O vetor representado por ele tem pouca força. Não segura o movimento da câmera, que segue escada acima com os policiais.

    A dança dos vetores, deslumbrante, veio da rua, arrombou a porta, entrou na casa e subiu a escada. Quando a câmera chega ao quarto e foca no protagonista, que é o menino, haveria muitas possibilidades de abordagem. É um momento de extrema delicadeza. Um adolescente de 13 anos vai ser preso por uma dezena de policiais com armas pesadas. Não seria difícil de imaginar uma abordagem sutilmente ou explicitamente sensacionalista. Ou excessivamente comercial.

    Mas não. Aos poucos, a câmera de Adolescência se controla. Ela pensa, prossegue, se apressa, pisa no freio, descansa, repensa. O nervosismo, percebido na trepidação da imagem, é reduzido aos poucos. O alto grau de densidade da situação se transfere para o diálogo e expressões faciais do protagonista. A câmera entende que não caberia mais qualquer malabarismo ou acrobacia estética. O que se vê agora é um quadro estável, uma espécie de foto 3 x 4 de Jamie, o menino acusado. Faz sentido. Havíamos chegado ao adolescente protagonista da série Adolescência. É criado um “respiro” na linguagem visual e assim podemos focar em outros aspectos.

    Beira o impossível o grau de entrosamento alcançado entre câmera e vetores, em toda a série. Relutei um bocado comigo mesmo, mas vou traçar uma breve metáfora com futebol. O plano-sequência bem feito, original, bem resolvido, pertinente, equivale a uma jogadaça. É como se a bola fosse de pé em pé, sempre com toques para frente, com eventuais momentos de efeito, corta-luz, ajeitada com o peito, linha de passe. Não há como um time que se diz apenas “bom” executar algo assim. Não acontece. Os envolvidos têm que ser de alto nível e têm que flertar com um altíssimo grau de entrosamento.

    Já que embarquei em uma metáfora fácil, por ela prossigo. A chegada ao menino e a contenção dos movimentos, por parte da câmera, seriam o desfecho da tal jogadaça – em que o jogador apenas dá um toque de chapa, certeiro, simples, no cantinho. Porque era exatamente o que a ação sequencial pedia.

    Vejo um raciocínio parecido na construção do famoso plano-sequência de Orson Welles, no filme A marca da maldade. A história começa com um belo plano-sequência que sabidamente consumiu uma fatia importante do orçamento. Estamos falando de 1958. A câmera é pouca ousada nos primeiros momentos. Até que, para acompanhar o vetor (também um carro), ela decola e se descola da cena. Exatamente como em Adolescência. Sobrevoa um telhado, acompanha o carro em movimento, migra para um casal também em movimento, volta para o carro. É a tal da jogadaça sendo construída e dando certo. É bola de pé em pé, sempre pra frente. Nos momentos finais deste plano-sequência, que termina após 2 minutos e 40 segundos, a câmera assume uma postura conservadora. No último quadro, estático, vemos um casal. Mas o foco migra para o áudio, que é a explosão que escutamos, fora de quadro. Em seguida, surge o primeiro corte do filme.

    Nos primeiros 15 minutos de Adolescência, eu simplesmente decupei os vetores. Não conseguia dar um play que durasse mais do que um ou dois minutos. No mundo do audiovisual, decupar significa descrever todas as cenas, transcrever todas as falas e registrar os demais áudios.

    Apresentado o menino e revelada a gravidade da situação, fiquei pensando, enquanto assistia: como será que a câmera vai sair da casa? O que vai conduzi-la para fora? O movimento se deu através de um vetor, claro. Um policial passa em frente à lente e leva o olhar do público.

    Quando chega à calçada, a câmera novamente “aterrissa”. Mais ou menos como fez ao chegar ao quarto do menino. A construção dessa alternância de ritmo é fundamental para que o plano-sequência funcione por minutos ou por quase uma hora, como é o caso dos episódios de Adolescência.

    O acompanhamento da conversa entre policiais e pais do menino, agora ao ar livre, é feito de forma convencional. A câmera reduz a própria dinâmica para poder “respirar”. Pausei, pensei e escrevi: “Nossa, que bom! Plano-sequência é movimento. E movimento precisa de pausa.”

    A questão é: como pausar organicamente? Ou, como “aterrissar”, verbo que gosto de usar enquanto filmo os meus planos-sequências?

    A resposta, previsível, é: depende dos vetores. As aterrissagens bem executadas dependem dos vetores. No quarto do menino, a câmera se viu diante de um vetor estático. O protagonista não levantou. Ele não correu. Ele falou, esboçou choro e gesticulou. Ou seja, o menino parado na cama era a pista para a câmera aterrissar.

    O mesmo acontece, pouco depois, na calçada: havia pessoas dialogando. Olhares e gestos são vetores. E a câmera se move de acordo com a intensidade deles – nesse caso, relativamente baixa. Outra situação propícia a uma aterrissagem orgânica.


    “A marca da maldade”, de Orson Welles

    Enquanto escrevo, também paro para pensar nos meus planos-sequências, os que eu concebi e filmei. O que eu mais gosto de contar aconteceu na cidade de Lubumbashi, na República Democrática do Congo, em 2013. Viajei para lá sozinho, como quase sempre faço. Eu mesmo opero a câmera, cuido da fotografia, capto o áudio e tomo todas as decisões de linguagem. Estava gravando uma série documental chamada Entre fronteiras África. O protagonista, que não tínhamos conseguido contactar diretamente, seria o presidente do clube de futebol TP Mazembe e governador da província de Catanga, o empresário Moïse Katumbi.

    Assessores haviam dito que provavelmente seria possível gravar uma entrevista com ele. Resolvi ir até Lubumbashi assim mesmo, sem certeza. Não queria perder o gancho do documentário, que era a inauguração do novo estádio do Mazembe, construído com o dinheiro pessoal do milionário Moïse.

    O Mazembe ficou conhecido, no Brasil, ao ganhar do Internacional de Porto Alegre por 2 a 0 no Mundial de Clubes da FIFA, em 2010. A dancinha de celebração do goleiro Kidiaba, na época, viralizou.

    Cheguei dois dias antes da inauguração. Na tarde da partida, entrei no estádio duas horas antes. Me haviam dito que Moïse gostava de dar a volta olímpica no campo, antes dos jogos, para saudar e ser saudado pela torcida.

    Será que ele ia dar a volta olímpica naquela tarde especial de sábado?

    Fiquei esperando, câmera na mão, junto à entrada para o campo pela qual ele passaria. Faltavam 30 minutos para o jogo começar e na minha cabeça me assombrava a dúvida: “Será que vou conseguir fazer esse filme? Ou será que perdi o meu tempo vindo aqui?”

    Até que, todo de branco, com chapéu de cowboy, num figurino que mereceria premiação, surge Moïse Katumbi. Não fazia a menor ideia se poderia acompanhá-lo durante a volta olímpica. Achei melhor não perguntar para não receber um sonoro não. Simplesmente entrei no campo, acompanhando o meu vetor humano. Para minha surpresa, nenhuma mão foi colocada em frente à lente da câmera, nem no meu ombro. Prossegui, eufórico. A dança dos vetores, ali, estava sob a minha regência. O vetor principal, o protagonista, se comportava como se eu não estivesse ali. Ou seja: havia me tornado invisível, tanto quanto o câmera do clássico filme Arca russa. Mas dele, vou falar em breve.

    Dei a volta olímpica completa com o dono do clube e continuei a acompanhá-lo fora do campo, até o espaço do estacionamento do estádio. Naquele momento final, ficamos apenas ele e eu. Nenhum jornalista, nenhum segurança, nenhum torcedor. Me deixaram sozinho com ele, exatamente como teria sonhado se tivesse planejado a cena. Aproveitei, então, para iniciar uma entrevista. No fim das contas, gravei um plano-sequência de 6 minutos e 59 segundos de duração em que o vídeo passou o poder para o áudio, no trecho final. Para quem quiser ver, está no documentário O todo-poderoso.

    Me arrependo, porém, de não ter usado, na montagem final, o plano-sequência na íntegra, disponível para visualização no final deste texto.


    “O sacrifício”, de Andrei Tarkovsky

    Até março de 2025, a “toda-poderosa” referência no universo do plano-sequência bem estudado, para mim, se chamava Andrei Tarkovsky. Eu não tenho nenhum levantamento estatístico sobre quantidade/qualidade de planos-sequências na cinematografia mundial que sustente o que acabei de escrever. Trata-se apenas de pura e simples admiração. Tarkovsky é um gênio no posicionamento e movimentação da câmera em relação aos vetores. Sempre que alcanço o que considero excelência na movimentação da câmera e gero um plano-sequência fluido, bonito, complexo, exclamo para mim mesmo, mentalmente:

    “Caraca, tô mandando muito! Isso é puro Tarkovsky!”

    Eu tenho a impressão, ou ilusão, de que todo mundo que conhece a obra de Tarkovsky, e que tenha acabado de ler o parágrafo anterior, pensou na cena do incêndio da casa, em O sacrifício, filme de 1986.

    Do momento em que a casa em chamas é mostrada, de fora, pela primeira vez, até o desmoronamento completo, são 6 minutos e 10 segundos de gravação sem corte. É plano-sequência na veia, contando o capítulo do incêndio de forma contínua.

    Pessoas que correm para a esquerda e para a direita conduzem o olhar da câmera de Tarkovsky, que conta a história em harmonia com os vetores. Ao fundo, um incêndio acontecia em tempo real. É uma cena maravilhosa! Quem gosta de audiovisual precisa ver.

    O plano-sequência representa uma supervalorização – desde que bem feito, repito – da parte visual. Os áudios, porém, não se tornam menos importantes. Pelo contrário: qualquer deslize na concepção dos áudios vai ficar superdimensionado em função do contraste com a beleza da concepção videográfica.

    Vídeo e áudios (falas e sons em geral) compartilham o território. Depois de trechos com bastante movimento de câmera, a ideia é que ela, ao aterrissar, estenda uma espécie de tapete vermelho para a oralidade. O vídeo prepara o terreno para a ocupação oral – e aí ele descansa. É o momento da pausa. Vídeo e áudio jogam juntos. Harmonizar a equação audiovisual (vídeos + áudios) é um grande desafio para todos nós deste mercado – com ou sem plano-sequência.


    “Arca russa”, de Alexandr Sokurov

    No quesito complexidade de vídeo e de áudio, ao longo de um plano-sequência que representa o filme inteiro, a taça de campeão de todos os tempos, na minha singela opinião, vai para Arca russa, que mencionei há pouco. No comando, novamente, estava um cérebro pensante russo, o do diretor Alexandr Sokurov.

    Arca russa, de 2002, eu qualificaria como uma grande e genial alucinação audiovisual. Um caos absurdamente difícil de imprimir em filme e sem corte. Ao rever para escrever essas linhas, me impressionei igualmente com o áudio. A câmera de Sokurov passeia por pequenas multidões de vozes e por três orquestras sinfônicas ao longo de 99 minutos. É uma ousadia audiovisual completa. Dois séculos de história da Rússia dos czares são contados pelas salas e corredores do Museu Hermitage, em São Petersburgo.

    Até o lançamento de Adolescência, a obra audiovisual (inteira) em plano-sequência mais inacreditável, para mim, era Arca russa. Agora, já tenho dúvidas. As duas são bem complexas e apresentam embalagens artísticas bem diferentes. Arca russa é puro cinema experimental que flana pelo espaço artístico espetacular do Hermitage. É uma obra de arte majestosa, grandiosa, imponente. Adjetivos seguem por essa linha e superlativos cabem. É fruto, ainda, de uma longa linhagem de filmes soviéticos que ousaram desenvolver complexas sequências de cenas, sem cortes.

    Adolescência, por sua vez, traz outro tipo de caos, um caos sem fronteira, globalmente preocupante. Se passa na Inglaterra, mas poderia ser uma história francesa, alemã ou brasileira. Conflitos entre adolescentes no mundo virtual, com possíveis desdobramentos trágicos, são uma questão urgente da humanidade.

    O terceiro episódio de Adolescência é 100% apátrida. Se falado em francês, poderia ter acontecido em qualquer país francófono. São 52 minutos dentro da prisão, praticamente o tempo todo acompanhando a conversa entre o menino e a psicóloga, em uma pequena sala. 

    O constrangimento espacial desempenha um papel fundamental: abre espaço para que o show fique por conta dos diálogos e da performance dos dois atores. Há muita densidade oral – com a qual, diga-se de passagem, o plano-sequência jamais briga. Ele aceita o temporário papel de coadjuvante ao longo de todo o terceiro episódio.

    Antes de ver o quarto e último episódio, escrevi no meu caderno: “Houve uma pausa longa – o terceiro episódio inteiro – na ousadia em relação à dança dos vetores. Certamente porque virão surpresas no quarto.”

    Não vieram. Por conta disso, gostei menos da série? Não. Sigo achando a série genial? Sim. Um marco histórico na concepção e execução de linguagem cinematográfica por conta do plano-sequência? Na minha opinião, com certeza.

    Mas tenho que admitir que ficou um rasgo de decepção por não ter visto mais, nos dois últimos episódios, daquele jogo bonito, com bola de pé em pé e o time sempre ofensivo, sempre buscando surpreender. Dois episódios significam metade da série com vetores comportados, que não surpreendem. Teria faltado tempo? Teria faltado orçamento para construções videográficas mais sofisticadas na segunda metade da primeira temporada?

    No desfecho, a ruína emocional da família do menino suspeito de cometer um assassinato é mostrada através de ferramentas convencionais, como a força dos diálogos e a performance dos atores.

    A primeira temporada de Adolescência merecia um desfecho em que sobressaísse a ferramenta estética popstar da série: o plano-sequência com dança dos vetores coreografada de forma original e ousada.

    No mundo do audiovisual, esse talvez seja o mais vitalício dos meus desejos. 

    Confira abaixo a íntegra do plano-sequência gravado na República Democrática do Congo, em 2013, com o presidente do clube de futebol TP Mazembe e governador da província de Catanga, o empresário Moïse Katumbi.





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