Vicente Serejo
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Aprendi com Oswaldo Lamartine que a escolha do presente tem uma ciência própria. Para ser pleno, dizia, não precisa ser caro ou barato, mas o certo para a pessoa certa na hora exata. Não conheci ninguém mais cuidadoso ao presentear. Tinha a percepção perfeita. Era como se estivesse ali a figura do rastejador de abelha Jandaíra, seguindo voo na direção dos favos de mel. Era refinado o requinte das simples naquele sorriso manso como se fosse capaz de adivinhar o desejo.
Ao sentir que a vida fugia, fugia lentamente, e já operado de um tumor no cérebro, assisti a um gesto: quando perguntei a quem daria o chifre grande e polido que fora do bisavô, tirado de um boi majestoso que viera numa boiada do Maranhão, e que o avô usava para guardar fumo. Ele disse: será de Paulo Balá para ficar na parede da Fazenda Pinturas. Trouxe para Natal numa das últimas viagens à sua Fazenda Acauã, à sombra da velha Serra dos Macacos, terras de Riachuelo.
Alguns dias depois, voltou a Acauã, com Haroldo Bezerra. Diante das suas estantes, na salinha ao lado do quarto, disse a mim: escolha um presente para Rejane. Fiquei olhando os livros todos, correndo as prateleiras com os olhos. Como demorei, ele levantou, estirou o braço magro e, firme, puxou um volume que guardava numa caixa. A coleção das cinco edições da Revista ‘Cigarra’ que fora do seu pai. E disse: “Ela merece como pesquisadora da vida de Erasmo Xavier”.
E se fosse preciso ir além, como se houvesse uma psicologia do gesto de presentear, seria certo entender o presente como uma dádiva. Algo que deve vir do sentimento mais puro, por amor, admiração ou bem-querer. E tem, se há uma ciência, a condição essencial de ser, intrinsecamente, um prazer de quem oferece, e mais valioso do que mesmo a pureza de gratidão de quem recebe. Se não é certo para a pessoa certa, um dia cai no desvão das coisas lamentavelmente não essenciais.
Cada coisa, aparentemente simples, guarda uma história. Não precisa ser materialmente valiosa. Pode ser uma pedra, um livro, uma carta, um bilhete, um cartão postal. Algumas coisas, de tão comuns, sequer revelam a razão da presença. Como aqueles chinelos de rabicho que ganhei de Oswaldo, quando o sertão, de tão longe, na arte do couro tudo fazia no corte e no nó? Como saberão, amanhã, de sua pequena e grande história, se nada dirão a quem lhe derramar os olhos?
O presente é uma afinação de espíritos, transcende o limite do apenas material. Provei esse sentimento. Um dia, não faz tanto tempo, recebi uma ligação da médica Joaquina Fernandes, Dra. Quinquina, como a chamo carinhosamente. Pediu que fosse ao seu apartamento no Edifício Juvenal Lamartine, na Trairi. Era para receber de presente as duas pequenas poltronas de couro que Oswaldo Lamartine e Dona Ludy usavam no Rio. Hoje vivem aqui. Nada foi tão emocionante.
PALCO
RISCO – Mesmo na hipótese de uma denúncia falsa, pode ser um erro o prefeito Alysson Bezerra subestimar a denúncia contra os valores de obras contratadas pela Prefeitura. O MP estaria de olho.
ATENÇÃO – A História de Ceará Mirim é o próximo livro – dos inéditos de Câmara Cascudo a ser lançado pelo Instituto Ludovicus. Daliana Cascudo, a sua presidente, já articula a publicação.
GESTO – Desalojada do Memorial Câmara Cascudo e do Centro de Pesquisa, duas instituições do governo, a Comissão Estadual do Folclore alugou uma sala no Alecrim. Para se manter viva.
LEÕES – O Senado e a Câmara são as novas arenas da Roma dos Césares que soltavam os leões famintos para que devorassem os gladiadores que perdiam a luta. A barbárie nasceu na civilização.
RETRATO – Esse foi o retrato que ficou diante da ferocidade dos senadores no encontro grosseiro da ministra Marina Silva. A política transformou os plenários dos parlamentos por um novo ringue.
MÚSICA – O Monsenhor Pedro Ferreira lança, a partir das 11h, na Cooperativa – livraria do Campus, UFRN – “Polifonia, Música e Sacralidade”. E com a apresentação, ao vivo, de um coral.
POESIA – De Ribeiro Couto, saudoso de Santos, onde viveu a infância, simples e calma: “Vem à minha memória o tempo de menino, / casa em que eu morava e o mato que havia em frente”.
POBRE – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, indo além da falta de dinheiro para explicar a pobreza maior: “O regozijo da falsa glória é o que mais empobrece o espírito humano”.
CAMARIM
ENGENHO – A chapa para o Senado tem um engenho: o segundo voto, depois do hoje senador Styvenson Valentim, precisa ser de Álvaro Dias, como o segundo voto de Álvaro Dias precisa ser para Styvenson Valentim. Sob pena da oposição ocupar uma das duas vagas e um dos dois sobrar.
JOGO – É esse jogo político que alguns observadores apontam como a única forma de evitar que as urnas elejam Fátima Bezerra ou Zenaide Maia. Foi assim que saíram eleitos para o Senado José Agripino e Lavoisier Maia, mesmo com a derrota de João Faustino ao governo para Geraldo Melo.
LUTA – A família do teatrólogo Sandoval Wanderley vai reivindicar da Prefeitura, a quem pertence o teatro, a aposição do seu nome completo na fachada do teatro. A família Wanderley é parte da história cultural desta vila que parece sem dono.
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