O mundo inteiro parece preocupado com a perspectiva da substituição de ocupações humanas pelo avanço da inteligência artificial. A irrupção do ChatGPT em 2022 – e a evolução dos modelos de linguagem de lá para cá – escancarou o fato de que nenhum profissional está seguro. As escalas de tempo não são as mesmas para todos: tradutores, ilustradores ou secretários parecem destinados ao desemprego antes de encanadores ou auxiliares de enfermagem. Mas, para qualquer um que tenha mais de uma década ou duas de vida profissional pela frente, é difícil não se perguntar quando chegará a sua vez.
Não se sabe com clareza quais são as próximas quebras de paradigma, mas é quase certo que elas virão. E, além de ameaçar carreiras futuras, elas afetam o valor do trabalho no tempo presente. Se em poucos anos um algoritmo vai fazer numa velocidade cem vezes maior o que você faz hoje, vale a pena gastar tempo nisso?
Se as máquinas nos ultrapassarão em tudo, é impossível não se perguntar o que restará para nós. As previsões vão da aniquilação da espécie até utopias em que todos os problemas da humanidade estarão resolvidos, e o único desafio remanescente será a busca por sentido em um mundo sem dificuldades, escreve Olavo Amaral, na edição deste mês da piauí.
A cultura que move o desenvolvimento da inteligência artificial é obcecada há décadas pelo conceito de “singularidade”. O termo tem sua origem em conversas travadas em 1958 entre os matemáticos John von Neumann e Stanisław Ulam, que mencionavam uma “singularidade essencial na história da espécie, a partir da qual os assuntos humanos como os conhecemos não poderiam continuar”.
O conceito foi retomado pelo matemático britânico Irving John Good nos anos 1960, pelo autor americano de ficção científica Vernor Vinge nos anos 1980, e popularizado nos anos 2000 pelo futurista Ray Kurzweil. No livro A singularidade está próxima, Kurzweil diz que por volta de 2045 a inteligência artificial terá avançado tanto que a espécie humana acabará se fundindo a ela e atingindo uma forma de imortalidade. Ele argumenta que a biotecnologia produzirá nanorrobôs capazes de reparar qualquer dano ao corpo, incluindo o próprio envelhecimento. Sugere ainda que tecnologias avançadas de mapeamento cerebral permitirão que cérebros humanos sejam convertidos para formas digitais, que persistirão indefinidamente em outros substratos.
Milhares de anos de civilização sugerem que tentativas de fusão do ser humano com a máquina serão vistas por muitos como uma profanação. As primeiras fusões provavelmente terão resultados estranhos e desconfortáveis. É quase inevitável, porém, que alguns de nós aceitarão esse pacto com o demônio tecnológico.
Essa é a versão otimista da história. Na pessimista, não há fusão homem-máquina, e a transição é descontínua. A consciência – ou algo similar – simplesmente emerge do silício, a partir do que conseguirmos ensinar a um modelo computacional. Se de fato somos informação, os seres que surgirem do outro lado serão um resquício de nós mesmos ou ao menos nossos descendentes. Dependendo do apego deles à espécie humana, nosso destino pode ser a obsolescência, a substituição ou a extinção.
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