O missionário Nilton Pereira é um homem magro, ágil, de voz grave. Tem 45 anos, mas aparenta ser mais novo. Na comunidade onde vive, em Niterói, as pessoas acenam para ele na rua, dão bom-dia, pedem suas orações. Ele é também um homem de corpo marcado: cicatrizes de tiros nas mãos e no abdômen, marcas dos tempos em que atuou no tráfico de drogas. Outras marcas vêm da época em que ficou preso em diferentes penitenciárias no estado do Rio de Janeiro. O corpo de Nilton conta histórias de seus encontros com o crime, com as armas, com o piso duro das celas, com a cocaína em que foi viciado. Mas o missionário é principalmente um homem das palavras – as dele, com que conta sua história de descidas ao inferno e de encontro com Deus; as palavras das Escrituras; as palavras que preenchem suas mídias sociais para falar do caminho do Evangelho e para comentar assuntos políticos do momento.
Assim o escritor e sociólogo José Henrique Bortoluci descreve o personagem em foco no terceiro texto da série Geração Democracia, na edição deste mês da piauí. Bortoluci é autor de O que é meu, livro traduzido para mais de dez idiomas. Na série, ele reflete sobre a experiência política de sua geração, que cresceu ao mesmo tempo em que se construía a democracia no Brasil, depois da ditadura militar (1964-85).
Os pais de Nilton Pereira vieram do Nordeste para tentar uma vida melhor no Rio de Janeiro. Aos 10 anos, o futuro missionário começou a trabalhar, ajudando o pai a vender limonada e mate em uma praia em Niterói. “Meu grande arrependimento da minha vida foi ter abandonado os estudos e entrado para o crime. Eu sonhava em ser militar, seguir carreira no Exército, na Polícia Federal ou na Civil”, diz Pereira.
Ele se envolveu com o mundo do crime logo na juventude, associando-se ao Comando Vermelho. Virou fornecedor de arma e intermediador de droga. “Nesse tempo na Penha [na Zona Norte do Rio], comecei a ter dinheiro e a usar bastante cocaína. Fiquei no vício, dali pra frente foi só queda, queda, queda… me perdi.”
Por causa de um assalto, foi preso novamente, condenado a quatro anos e oito meses. Na cela de 2,50 por 3 metros havia quinze presos. “Aí você pergunta: ‘Quinze presos em um espaço tão pequeno, como pode?’ Te conto. Ficavam três redes penduradas em cada parede, uma rede em cima da outra. Se uma delas arrebentava, o preso de cima caía e derrubava os de baixo, e aí fraturava o braço, a costela, se ralava…”
Ao sair da prisão, ele decidiu fechar o corpo, porque estava sendo perseguido por um grupo rival. Procurou um pai de santo, que indicou a necessidade de fazer um ritual em um cemitério, à noite, que ele acabou não fazendo. Foi lá que recebeu o sinal de Deus. “Senti uma presença no meu coração que eu nunca tinha sentido e, ao mesmo tempo, um calafrio no corpo todo. Saí correndo”, recorda. “A partir desse dia que comecei a buscar a Deus. Mesmo ainda usando muita droga, por muito tempo, eu comecei a ler a Bíblia.”
Quando decidiu sair de vez do crime, Pereira foi conversar com o seu chefe no morro. “Já cheguei diferente, com a Bíblia, e falei pra ele: ‘Minha vida mudou. Quero saber se posso orar por vocês, pedir a Deus que proteja vocês, e que um dia vocês também saiam dessa vida.’ Eles já perceberam que minha fala era outra, porque, quando buscamos Deus, é Ele quem fala por nós. Orei ali, no meio de mais de vinte homens armados, distribuí panfletos e fui embora.”
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