O edifício Patrimônio, na Avenida Paulista, em São Paulo, possui 21 andares com dezenas de salas comerciais. No 15ª piso do prédio, a sala 1513 destoa por ter a porta de entrada pintada na cor cinza, e não branca, como as demais. É o único diferencial, já que todas as salas têm um tamanho padrão, 28 m². Grudada na porta cinza, uma folha sulfite improvisada, pregada com fita adesiva, informa que, naquele espaço, funciona uma empresa de coworking.
Segundo funcionários do prédio, a sala permanece vazia e fechada na maior parte do tempo. O que soa estranho, já que, ao menos no papel, aquele pedacinho de chão corporativo é um poderoso “hub” empresarial, sede de 108 empresas, cujo capital social soma 530 milhões de reais, segundo informações da Receita Federal. Há firmas de todo tipo de ramo: holdings, empreendimentos imobiliários, provedor de internet, lojas de roupa, fábrica de produtos em cerâmica, joalheria, escritórios de contabilidade.
Está ali também a empresa B3T4 International Group, razão social de três bets ativas no mercado brasileiro: Bet4, Aposta Bet e Faz o Bet. A B3T4, por sua vez, tem conexões com empresas acolhidas na mesma sala e que formam a engrenagem do esquema de lavagem de dinheiro da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) que tomou de assalto o mercado financeiro paulistano, segundo investigações da Operação Carbono Oculto, do Ministério Público de São Paulo.
A suspeita de conexão entre a empresa de apostas esportivas e a facção criminosa se dá por meio do empresário Mohamad Hussein Mourad. Seis companhias ligadas ao PCC estabelecidas na sala 1513 são utilizadas para maquiar seus rendimentos obtidos ilegalmente, segundo o MP de São Paulo.
As empresas Urban Prime, Stellar, Horizon, Vitality e Orbit eram controladas por um fundo de investimento e utilizadas para blindar o patrimônio imobiliário de Mourad, um dos líderes do esquema de lavagem de dinheiro da facção criminosa (a Polícia Federal pediu sua prisão, ele está foragido desde o fim de agosto). Já a Scotia Holdings e Participações servia para ocultar Mourad como o real proprietário da frota de caminhões utilizados pela organização criminosa para escoar o etanol produzido pelas usinas do esquema no interior paulista.
Até dezembro do ano passado, as empresas Urban Prime e Vitallity estavam sediadas no terceiro andar do edifício Faria Lima Offices, na Rua Cardeal Arcoverde, em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. É o mesmo local que abrigava a B3T4. Juntas, em um intervalo de três meses, as três empresas mudaram-se para a sala 1513 do edifício da Avenida Paulista. Outro ponto que aproxima a B3T4 do esquema de Mourad é que ambos se valeram de um mesmo banco, o BS2, para movimentar parte dos seus recursos.
Há um outro personagem oculto no emaranhado de negócios vinculados a Mourad e o PCC: o advogado Walter Silva Souza, atual chefe de gabinete do vereador em São Paulo Marcos das Neves Palumbo, o Major Palumbo (PP). Além de dono de uma das 108 empresas hospedadas na sala 1513 do edifício Patrimônio (Virginia Holdings e Participações), Souza é sócio da Higienópolis Empreendimentos Imobiliários e da Londrina Fundo de Investimento, que segundo as investigações são utilizadas para blindar o patrimônio de Mourad. Souza também atua como advogado para a Duvale Distribuidora, a quem cabia transportar o etanol das usinas para os postos, cujos reais donos, de acordo com o Ministério Público, são Mourad, o narcotraficante do PCC Daniel Dias Lopes, e Roberto Augusto Leme da Silva, conhecido como Beto Louco. Por fim, Souza figura como sócio da Newib Participações, uma holding estabelecida no terceiro andar do prédio na Rua Cardeal Arcoverde, em São Paulo.
A B3T4 não é a primeira bet sob suspeita de ligações com o PCC. No ano passado, uma investigação da Polícia Federal revelou indícios das ligações de duas casas de apostas do Ceará, Fourbet e Loteria Fort, com a família de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo da facção paulista. De acordo com policiais ouvidos pela piauí, as bets são propícias à lavagem de dinheiro por possibilitarem, por exemplo, que testas de ferro simulem apostas com o capital do tráfico de drogas. Assim, o dinheiro sujo sai devidamente lavado na contabilidade formal da plataforma.
A B3T4 foi fundada em 14 de agosto de 2024 em uma parceria entre a SDMP, uma empresa mexicana, e a catarinense Liliane Alberti. Para o capital social da nova empresa, a SDMP investiu 28 milhões de reais, enquanto Alberti aportou mais 7 milhões. Chama a atenção o fato de que, naquela mesma época em que investia milhões na B3T4, Alberti era procurada pela Justiça por uma dívida de apenas 6,6 mil reais com uma universidade (o débito ainda não foi quitado). Moradora de Herval d’Oeste, cidade de apenas 22 mil habitantes no Oeste de Santa Catarina, ela trabalhou a maior parte do tempo como auxiliar de escritório (seu último emprego formal foi como assistente administrativa em uma firma de certificação digital). Alberti não foi localizada pela piauí – segundo familiares, ela atualmente mora na Argentina.
Seis dias após a fundação da B3T4, em 20 de agosto, ingressou na sociedade a Media 4 Brasil, que, por sua vez, é controlada pela Media4 Curaçao, uma offshore na ilha caribenha cujo diretor é o advogado surinamês Jair Almeida Toussaint. Aqui, um outro ponto que aproxima a B3T4 do PCC: foi Toussaint quem assinou, pela Vaidebet, o contrato de patrocínio de 360 milhões de reais com o Corinthians em 2024. Uma investigação da Polícia Civil e do Ministério Público demonstrou que, do montante total do contrato, cerca de 1 milhão de reais foram parar em uma empresa ligada ao PCC (por conta disso, o então presidente do clube, Augusto Melo, foi destituído do cargo em um processo de impeachment e atualmente é réu em ação penal na Justiça, acusado de furto qualificado, associação criminosa e lavagem de dinheiro).
Atualmente a B3T4 tem como sócios, além da Media 4, Victor Muchiutti Maritan, engenheiro em Marília (SP); Abilio Del Cioppo Elias, empresário de Valinhos (SP); Cristina Dias Tavares Rehem, ex-servidora comissionada no Senado Federal; Eduardo Vinicius Fonseca Silva Cordeiro, um jovem advogado de Goiânia; e o ator Erich Rodrigues Cardoso Pelitz. Atualmente, Liliane Alberti é a representante da SDMP no Brasil. Apesar de citados na investigação do Ministério Público contra o esquema de lavagem do PCC, nem o advogado Walter Silva Souza, nem os donos da B3T4, foram alvos de mandados de busca na Operação Carbono Oculto.
O advogado Souza negou ter relação tanto com o esquema de Mohamad Mourad quanto com a gestora de bets B3T4. “Não conheço [Mourad] e não tenho nenhuma relação com essas empresas. Inclusive já apresentei carta de renúncia [da Higienópolis Empreendimentos Imobiliários e da Newib Participações] porque não tinha conhecimento desses fatos [apresentados pela reportagem]”, disse por mensagem de WhatsApp.
O advogado Eduardo Cordeiro, sócio da empresa, encaminhou a seguinte nota à piauí: “No momento, não estamos dando entrevistas ou participando de compromissos com a mídia. Valorizamos e respeitamos profundamente seu trabalho profissional e solicitamos que nossa privacidade e posição atual sejam preservadas.” Também em nota, divulgada dias após a deflagração da operação do MP, a defesa de Mourad negou os crimes imputados a ele na investigação.