Em reunião ministerial no fim de agosto, Lula pediu ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um estudo sobre os custos de implantar a gratuidade do transporte público urbano em todo o país.
Hoje o Brasil vive um boom de Tarifa Zero. Já são 138 cidades com gratuidade do transporte todos os dias – número que cresce 32% ao ano. Cada vez mais cidades médias, com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, adotam a política, o que faz com que a população atendida aumente numa taxa ainda maior, de 50% ao ano. Atualmente, são mais de 8 milhões de brasileiros vivendo em cidades com Tarifa Zero.
Os resultados são inequívocos: a Tarifa Zero melhora a vida da população. Os mais beneficiados são os mais pobres, que passam a fazer deslocamentos antes impedidos pelo custo. Mais gente acessa postos de saúde, escolas, supermercados, parques e praças. O dinheiro que ia para a passagem vai para o comércio local, que aumenta as vendas. Como muitos migram dos carros para os ônibus, o trânsito diminui.
Um estudo da FGV publicado em fevereiro deste ano comparou 57 cidades com Tarifa Zero com outras 2.731 que ainda cobram passagem. A gratuidade dos ônibus resultou em aumento de 3,2% de empregos, aumento de 7,5% no número de empresas e redução de 4,2% de emissão de gases poluentes. São Caetano do Sul (SP) implantou a Tarifa Zero e viu o trânsito reduzir, com a retirada de 1.500 carros das ruas por hora, segundo monitoramento feito em parceria com Google e Waze. Nove em cada dez prefeitos que implementaram a medida foram reeleitos em 2024.
Lula está correto em entrar no tema. O governo federal tem muito a contribuir com uma política que beneficia os mais pobres, reduz impactos ambientais, melhora a qualidade do ar e é bem avaliada pela população. E a boa notícia é que o cálculo solicitado a Haddad já existe: trata-se do estudo Vale-transporte: visão geral e passos possíveis para seu financiamento público, lançado no Congresso Nacional em julho de 2023.
O estudo propõe uma fonte de financiamento que não disputa os recursos existentes do governo e tampouco cria novos tributos. A solução passa pela mudança na forma de contribuição das empresas, com grande potencial de aumento de arrecadação.
Hoje, apenas uma parte dos empregos formais no Brasil contribui com o Vale Transporte, pois a política é opcional para os empregados e deixa de ser vantajosa para salários médios e altos. A conta fica nas costas dos trabalhadores mais pobres, que contribuem com até 6% dos seus salários, e dos informais, que pagam a tarifa “cheia” em seus deslocamentos.
A proposta do estudo substitui o Vale Transporte por uma contribuição exclusiva das empresas, para todos os funcionários. Micro e pequenas empresas ficam isentas, mas seus funcionários terão direito ao benefício. Com o valor de 220 reais por empregado por mês, será possível arrecadar 100 bilhões de reais por ano, o suficiente para financiar todo o sistema de transporte no país, já considerando o aumento da demanda.
A proposta é similar ao Versement Transport, política que existe na França há mais de cinquenta anos. Não é por acaso que o transporte público francês é de qualidade: o governo estruturou uma fonte de recursos robusta e estável, que garante a melhoria contínua dos serviços.
A implementação da proposta demanda a criação de uma contribuição, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição. Aí vem a segunda boa notícia: essa PEC já existe, já recolheu o número de assinaturas necessárias e começou a tramitar no Congresso. Trata-se da PEC 25, de autoria da deputada Luiza Erundina (Psol-SP). Além de criar fontes de financiamento, a PEC estrutura um sistema distribuído entre os entes federativos de gestão e responsabilidades com o transporte público.
O caminho até a aprovação, a regulamentação e a aplicação da PEC 25 é de médio prazo. Mas há uma alternativa de curto prazo à vista, o que é a terceira boa notícia para o governo federal. Trata-se do Marco Legal do Transporte Público (PL 3278/21), que já foi aprovado no Senado e tramita em regime de urgência na Câmara.
O Marco Legal regulamenta a concessão do transporte público urbano, oferecendo padrões de contratação das empresas privadas, e dando diretrizes para maior transparência e controle social. Além disso, a lei dá mais segurança jurídica para a implantação de taxas municipais para o financiamento dos sistemas, como as que estão sendo propostas em cidades como Belo Horizonte, Juiz de Fora e Brasília. Se for aprovado, ficará mais fácil a implementação de projetos de Lei de Tarifa Zero nas cidades, já que as prefeituras terão mais alternativas para o financiamento.
O governo federal tem uma oportunidade única com essas duas proposições legislativas. A aprovação do Marco Legal ainda este ano pode dar um novo impulso a cidades com Tarifa Zero no Brasil. O avanço da PEC 25 pode estruturar, nos próximos anos, um sistema de transporte público robusto e de alta qualidade. O Brasil tem uma chance histórica de promover uma transformação profunda em uma área que foi historicamente relegada no país – a mobilidade urbana. O resultado vai ser melhoria de vida da população, redução da pobreza e benefícios ao meio ambiente.