
O abandono da obra de uma creche na cidade de Bayeux, na região metropolitana de João Pessoa, é símbolo de como a ineficiência na aplicação de verbas pode ser danosa para a população. O fato expõe a necessidade do controle social sobre o uso dos recursos públicos.
O prédio em construção fica no bairro Jardim São Vicente, uma das comunidades mais carentes da cidade. A obra inicialmente trouxe esperança, mas após uma década de espera, tornou-se sinônimo de desilusão, num cenário de pouca cobrança e descrença com o poder público.
A população não aproveitou qualquer benefício desse investimento. Pelo contrário: há muitos transtornos. O lugar está cheio de lixo, em completo abandono e servindo de abrigo para porcos e outros animais que circulam pelo bairro.
A obra deveria nos servir, mas o que seria um prédio para fins de acolhimento das crianças, serve hoje como ambiente para uso de drogas e depósito de lixo, disse Cibele Santos, moradora da comunidade.
Ferramentas de controle social indicam que a obra inacabada está situada num contexto de negligência maior com a educação, evidenciando a gravidade do problema.
Plataformas do Tribunal de Contas do Estado (TCE) mostram que a cidade descumpre metas educacionais. Segundo o ‘Portal Primeira Infância’, Bayeux está inserida no grupo de 1/3 das piores do Brasil no índice de crianças frequentando creches.
A ferramenta de acompanhamento público indica que menos de 22% das crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas no município. O percentual está abaixo da meta de 50% para essa faixa etária.
Nesse contexto, algumas vozes começam a se levantar, a exemplo da moradora Cibele.
A creche foi dinheiro público investido, mas está abandonada enquanto nossa comunidade deixa os filhos com parentes ou precisa pagar a alguém para cuidar deles, lembra.
Acompanhamento de obras
Iniciativas locais e regionais são importantes para o avanço do controle social de gastos, incluindo de obras. Na Paraíba, o TCE-PB dispõe de outras ferramentas consideradas pioneiras nessa vigilância, além daquela mencionada anteriormente.
Um dos exemplos é o GEO-PB, ferramenta de georreferenciamento que mostra obras em execução, custos de projetos, recursos aplicados e a situação real desses empreendimentos. A plataforma fornece um panorama completo das obras, incluindo até imagens feitas por drones.
Enquanto há um prédio abandonado no bairro São Vicente, o GEO-PB mostra que Bayeux executa a construção de outras duas creches, sendo uma no bairro do São Bento, e outra no bairro do Baralho. Localidades marcadas pela necessidade de políticas públicas eficientes.
No caso do São Bento, a obra deveria ter sido entregue em maio, segundo divulgação anterior. Mas a prefeitura garante que a conclusão será em breve, dentro de 45 dias. O valor do projeto ficou em R$ 1.852.771,45.
A outra obra, em execução no bairro do Baralho, tinha previsão de ser entregue oficialmente no próximo mês de novembro, mas a prefeitura já adiantou que a conclusão será em 2026. O projeto está orçado em R$ 1.151.187,25.
Mais acessos, mais vigilância
As disparidades do gasto público também podem ser acompanhadas pelo Observatório Sagres, outra ferramenta do TCE-PB, incluindo despesas com obras, saúde, educação e pessoal.
Em Bayeux, os dados revelam um forte desequilíbrio: a maior parte do orçamento tem sido direcionada para gastos com pessoal, enquanto investimentos em infraestrutura, como a construção de creches, seguem limitados.
Muito embora as ferramentas sejam abertas para a população, há barreiras quanto ao interesse por essas informações. Mas o TCE tem buscado estimular a participação do público.
Dados obtidos pelo Jornal da Paraíba mostram que, até maio de 2025, o Sagres já havia tido mais de 213 mil acessos online, um número bem maior do que os 138 mil acessos de 2024. E quase o triplo do que foi registrado no ano anterior.
“O tribunal tem investido muito no desenvolvimento de ferramentas que possibilitem o exercício pleno do Controle social”, disse o presidente da Corte, conselheiro Fábio Nogueira. (Veja na entrevista a seguir)
Responsável pelo setor de Tecnologia do TCE-PB, o servidor Edwilson Fernandes explicou que novas tecnologias deverão possibilitar, em breve, o aumento do controle social sobre as licitações de obras públicas. “São ferramentas que exigem manutenções corretivas e evolutivas, e esse aprimoramento ocorre ao longo de todo o ano, com foco no controle social”, explicou.
Transparência além dos limites locais
As iniciativas que buscam a transparência ocorrem tanto no âmbito local quanto na esfera nacional. A Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil, em parceria com a Associação Comercial de São Paulo, lançou, no mês de abril, a plataforma ‘Gasto Brasil’.
A ferramenta abrange os gastos dos três níveis do governo. O foco é levar a informação para pessoas de todas as camadas sociais – até para “as mais simples”, segundo os criadores da plataforma.
A ideia se sustenta nos pilares da educação fiscal e da transparência.
“A finalidade maior é demonstrar quanto os governos estão gastando com nossos recursos arrecadados, além de dar mais transparência aos contribuintes”, disse o coordenador do programa, Cláudio Queiroz, em entrevista ao Jornal da Paraíba. (Assista ao vídeo mais abaixo).
Seguindo com a cidade de Bayeux como referência, o Gasto Brasil aponta que, até dezembro de 2024, a administração local só havia investido cerca de R$ 10 milhões em obras, enquanto que as despesas com pessoal e encargos ultrapassavam a marca de R$ 195 milhões. Por isso, a obra inacabada da creche é reflexo de uma falta de equilíbrio. A ‘ponta do iceberg’ de uma administração há algum tempo adoecida.
É como se fosse um orçamento doméstico. A conta tem que fechar. Nós estamos deixando uma enorme dívida para nossos netos e bisnetos, disse.
Preocupação deve ir além
Ao Jornal da Paraíba, o economista e ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, disse que a preocupação com o gasto público e a eficiência deve ir além da criação de plataformas de monitoramento. É preciso pensar em reformas estruturais e na conscientização coletiva sobre os gastos, de forma pedagógica.
Segundo ele, o crescimento sustentável será possível com educação pública de qualidade em todos os níveis de governo, infraestrutura adequada e segurança jurídica.
Os gastos do governo têm funções de Estado, de funcionar a máquina administrativa, os programas sociais, os programas de desenvolvimento. E o Orçamento é a principal lei econômica de qualquer país. É nela que se definem as prioridades.
Para assistir à declaração, clique aqui.
Tais premissas, portanto, são fundamentais quando o assunto são obras da educação pública. Para a moradora Cibele, resta a esperança de que, a partir da conscientização da população, a cobrança possa aumentar e a creche inacabada em Bayeux, enfim, possa cumprir o papel para o qual foi pensada: beneficiar a comunidade e o futuro de tantas crianças.
Uma obra abandonada é dinheiro público jogado no lixo, e concordo que as pessoas precisam cobrar. Não podemos ver a educação de uma cidade se degradar sem ninguém se posicionar, disse.
Da indignação à ação
Para que a história da creche abandonada em Bayeux e de tantas outras políticas públicas ausentes tenham um novo capítulo, é importante o fortalecimento do controle social. Por meio dele, cada cidadão pode fiscalizar e cobrar a aplicação correta dos recursos públicos.
Ferramentas como o GEO-PB (https://geopb.tce.pb.gov.br/), o Observatório Sagres (tce.pb.gov.br/sagres) e o Gasto Brasil(https://gastobrasil.com.br/) permitem a busca pela transparência e a cobrança embasada por eficiência na execução dos recursos públicos.
São ações no presente com potencial para a garantia de um futuro digno para as próximas gerações.
Obra será retomada, afirma prefeitura
A Prefeitura de Bayeux afirmou, em nota assinada pelo secretário de educação, Tiago Bernardino, que foi aprovada uma repactuação junto ao FNDE para a creche do bairro São Vicente.
De acordo com ele, o projeto executivo está em fase final, o que permitirá o avanço do processo licitatório.
Sobre a construção de creches nos bairros São Bento e Baralho, confirmou que a primeira deve ser entregue em até 45 dias e que a unidade do Baralho tem entrega prevista para fevereiro de 2026.
Disse ainda que 1.500 crianças estão matriculadas, hoje, na Educação Infantil da cidade.