Alex Medeiros
@alexmedeiros1959

No final de uma manhã de junho, em 1986, eu desci a Ladeira do Sol na companhia de amigos em direção a uma nova casa que o fotógrafo, artista plástico e diretor de arte publicitária, Flávio Américo Novaes, havia alugado no meio da descida. No intuito de inaugurá-la e, obviamente, tomar umas cervejas, ele juntou uma galera para assistir ao jogo Brasil x França pela Copa 1986.

Aquele fatídico jogo, que maculou em definitivo a geração Zico num terceiro fracasso em partidas decisivas (antes perdera o Mundialito de 1981 para o Uruguai e foi desclassificado em 1982 pela Itália), estreitou nossa amizade iniciada lá na fronteira dos anos 1970/1980 durante os movimentos poéticos, o Festival do Forte e as noitadas no “Baixo” (entorno da Praia dos Artistas).

Quando digo estreitou é que nada é mais íntimo nas amizades do que frequentar a casa de alguém. E a partir dali se repetiu, também com ele indo a duas residências minhas, primeiro na Redinha e depois no Barro Vermelho.

Naquela manhã prestes a completar 40 anos foi também o dia em que Roberto Solino me apresentou seu sócio, Ricardo Rosado, desde então dois irmãos que a vida me deu. Estavam no meio-fio fiscalizando um outdoor da agência deles.

Menos de dois anos depois, eu estaria fazendo parte do mundo deles todos, de Flávio, de Solino, de Ricardo e de Carlos Soares, este último responsável por minha ida à agência Dumbo conversar sobre uma vaga de redator publicitário.

Os anos 80 e 90 foram férteis de encontros etílicos com Flávio Américo, principalmente após minha entrada no universo da propaganda onde ele já estava há algum tempo e era referência de talento, o arteiro da agência Expo.

A convivência impediu que esquecêssemos os primeiros contatos, quando frequentamos os mesmos ambientes artísticos e políticos entre 1978 e 1982, nos esbarrando em vernissages, comícios, passeatas e nos atos públicos.

A irmandade com Carlos Soares, sempre presente nos salões das artes antes de virar diretor de arte, permitiu comemorar a vitória de Flávio na segunda edição do Prêmio Governador do Estado, da Fundação José Augusto, 1979.

A entidade cultural criou o certame no ano anterior, em que o vencedor foi Fernando Gurgel, outro craque daquela geração. Flávio intitulou seu quadro vencedor como “Matietas”, um termo que nunca entendi e jamais perguntei.

Em 1981, ele experimentou um mergulho oceânico com uma tela repleta de peixes e outras vidas marinhas. Chamou de “Visões da Atlântida”, exposta na Mostra de Pintura que o Distrito Naval fez para marcar o Dia do Marinheiro.

Em 1982, todas as tribos do “Baixo” festejaram o lançamento do disco de Lola (do trio com os irmãos Fon e Eustáquio), “Revolta dos Peixes” no show “Som da Música”, no TAM. A arte da capa com outros peixinhos de Flávio Américo.

Ao mesmo tempo que era assíduo nos eventos de artes plásticas e fotográficas, Flávio também demonstrava reservas sociais e que ganharam maior dimensão com a maturidade cronológica. Coisa dos grandes artistas.

Na fase publicitária foi quando ele mais se envolveu com os iguais das teleobjetivas, tendo participação na criação de uma associação dos fotógrafos, cuja primeira diretoria foi votada em 1988, na Biblioteca Câmara Cascudo.

Compôs o conselho fiscal na chapa aclamada do primeiro presidente eleito, Eduardo Alexandre (Dunga), do vice Paulo Mulatinho, da secretária Zara Ehlers e da tesoureira Socorro Evangelista. Eram 130 profissionais cadastrados.

Nossa amizade se transferiu para nossas filhas, Marana e Flavinha, nascidas na mesma época da Copa da derrocada do time de Telê Santana. Desde a pandemia, nos esbarramos algumas vezes no bar Mele Leve, em Candelária.

No meio da tarde da quarta-feira passada, 14.334 dias depois daquele encontro na casa dele da Ladeira do Sol, sua filha me ligou aos prantos para avisar da sua morte. Aos 69 anos, Flávio partiu de repente, como num clique.

Nas redes
Flávio Américo só frequentava o Facebook, compartilhando suas impressões com poucos amigos. Na penúltima postagem, algo com ares de quem parece perceber, intuitivamente, a finitude, como disse meu mano Graco Medeiros.

Adeus
Escreveu Novaes: “Todo fim é recomeço. O mais interessante e prazeroso nesse trânsito de estações é perceber o aumento significativo e diversificado de pássaros no amanhecer; cantando e festejando a chegada da primavera…”.

Blindagem
Quando o regime militar quis prender Márcio Moreira Alves, a Câmara Federal fez valer a Constituição blindando o arguto deputado. Ficou para a história a resposta de Djalma Marinho repetindo o poeta: “ao rei tudo, menos a honra”.

Anistiados
O mesmo regime militar anistiou em 1979 dezenas de militantes que optaram em realizar atos de guerrilha, sequestros e assaltos a banco, tudo em nome da democracia, camuflando a real intenção de implantar um governo comunista.

Doutrina
Um site exibiu, estarrecido, a prática nos campos russos de lavagem cerebral em crianças ucranianas, segundo um relatório de direitos humanos. Ora, o Partido dos Trabalhadores faz isso há quatro décadas nas universidades.

Chinaworld
Enquanto muitos estão perdendo o direito de visitar o Mickey e as princesas da Disney, um grande grupo de políticos, empresários, assessores, técnicos e acompanhantes prepara-se para voar de Natal em travessia para a China.

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