A tradição política e jurídica diz que uma nova constituição é necessária quando o modelo da anterior se esgotou. É o caso da extinta Carta de 1988. Explico.
Passava o ano de 2019 quando o país foi surpreendido pelo Supremo Tribunal Federal. Ali, de forma subreptícia, punha fim ao documento da cidadania. A Corte, então sob a presidência do ministro Dias Toffoli, inaugurou o chamado “inquérito do fim do mundo”. O batismo foi atribuído pelo também ministro Marco Aurélio Mello. O procedimento teve filhos que replicaram seu infame DNA.
Mas, qual a razão da expressão cunhada pelo magistrado das Alagoas? Que mundo se acabava naquele instante? Era a ordem jurídica conhecida por todos, que sucedeu o governo dos militares. Era seu surpreendente fim. Basta dizer que o inquérito foi instaurado de ofício, sem provocação. Ignorou-se o Ministério Público e o princípio da inércia, fundamental à lisura do Judiciário. Ato contínuo, o princípio do sorteio e do juiz natural também foram sacrificados, distribuído o feito por simples indicação a um ministro cujo nome é perigoso citar – mais uma prova do estado de coisas inconstitucional que nos encontramos.
Falei apenas de dois elementos de trâmite. No desenrolar das investigações, boa parte dos direitos e garantias constitucionais individuais foram tacitamente suprimidos. Foram, e são, intimações sigilosas, ausência de acesso tempestivo a provas, prisões sem fundamento plausível, limitações à ampla defesa, penas desproporcionais e toda a sorte de “exceções” que, infelizmente, se tornaram o “novo normal” do “direito” pós-pandemia. Haja aspas.
Por que se falar de uma nova constituinte nesse cenário? Ora, esses episódios não só contrastam fortemente com dispositivos explícitos como ao espírito da Carta de 1988. O julgamento do Marco Civil da Internet é o penúltimo dos exemplos ruis (tenho a triste certeza que não irá parar neste).
Dizia o imperador D. Pedro II que “imprensa se combate com imprensa”, não com regulação. Com efeito, esse foi o espírito da Constituição de 1988, que a Corte conseguiu matar, e em seguida ressuscitar o que se fazia antes dela. Não sei nem se este meu artigo sobreviverá depois disso tudo.
Ainda temos Constituição? Aparentemente, a depender do caso, e desde 2019, não. A pergunta é se viveremos indefinidamente assim.
De fato, o legislador originário naquele ocaso de século adotou um modelo político fundado na democracia, óbvio, mas essencialmente contrário aos expedientes utilizados pela Ditadura. Aqui chegamos: precisamos urgentemente de redemocratização. Sim. Jamais se poderia ter imaginado que, quarenta anos à frente, seria a partir do Judiciário que se assistiria novamente algumas das coisas que a caserna impunemente fazia.
A situação atual é tão grave e sem solução em termos jurídicos que, no meu sentir, apenas uma nova assembleia constituinte terá a capacidade de reorganizar os poderes do estado brasileiro. Especificamente, para criar regras claras e objetivas a impedir que o guardião da Constituição se torne no futuro, tal como foi em nossos dias, seu algoz.
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