Wagner Moura está com camisa branca e se apoia em janela, com imagem refletida por espelho

Crédito, Tiago Calazans/BBC News Brasil

Legenda da foto, Wagner Moura ganhou prêmio de melhor ator no último Festival de Cannes
    • Author, Adriana Amâncio
    • Role, De Recife para a BBC News Brasil

Recebido com euforia, aplausos e um coro digno de torcida de final de Copa do Mundo no Recife para a estreia de seu filme O Agente Secreto, na última quarta-feira (10/09), o ator Wagner Moura diz ter se deparado com um clima bem distinto quando a obra passou em festivais nos Estados Unidos.

“A gente está hoje vendo as instituições funcionando [no Brasil], vendo um crime contra a democracia sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto que nos festivais norte-americanos pelos quais o filme passou, a gente sentia uma certa tristeza dos americanos, quase uma inveja”, ele diz em entrevista à BBC News Brasil.

Os acontecimentos que resultaram na condenação do grupo são frequentemente comparados aos episódios ocorridos nos Estados Unidos, após a derrota de Donald Trump para Joe Biden nas eleições de 2020

Lá, Trump também foi acusado de liderar uma rebeião contra o resultado eleitoral, mas não só foi absolvido como se reelegeu presidente, em 2024. Trump nega ter cometido qualquer ilegalidade.

Vivendo em Los Angeles, nos Estados Unidos, há sete anos com a esposa e os três filhos, Moura critica outro aspecto do governo Trump: sua postura com imigrantes sem documentos.

“É um horror, eu conheço muitos imigrantes ilegais. Eu moro em Los Angeles, é uma cidade onde vivem muitos latinos, muitos mexicanos, sobretudo, e as pessoas estão com medo”, diz.

“Porque eles atacam a pessoa na rua por uma identificação visual e racial. Se o cara não tiver o documento, o cara não volta para casa nunca mais”, diz Moura.

“O que está acontecendo nos Estados Unidos hoje é grave. É um país que deixou de ser mesmo uma democracia e começou a ser um país com tendências autoritárias evidentes”, avalia.

A queixa de Moura sobre a postura da agência migratória é ecoada por muitos grupos de defesa de imigrantes nos EUA, que acusam o órgão de usar critérios raciais para abordar pessoas nas ruas e deportá-las se não estiverem no país legalmente.

Em uma decisão recente, no entanto, a Suprema Corte dos EUA decidiu que os órgãos migratórios podem adotar critérios raciais em suas abordagens. Trump se elegeu prometendo deportar milhões de imigrantes ilegais durante seu governo.

Baiano-pernambucano

A estreia de O Agente Secreto no Recife é sucedida por uma passagem pelo 50º Festival de Cinema de Toronto, no início de setembro.

Logo após vencer os prêmios de melhor diretor e melhor ator no Festival de Cannes, em maio, o filme teve uma agitada turnê internacional, passando por festivais na Polônia, na Austrália, Portugal e Nova Zelândia.

Na exibição do filme, nos Cinemas do Teatro do Parque São Luiz, Moura disse “estar muito feliz e à vontade” em Recife.

“Eu sou baiano, mas nasci em Rodelas, bem na fronteira com Pernambuco, e tenho esse Estado no sangue”, afirmou.

A reportagem da BBC News Brasil acompanhou o ator enquanto ele arriscou passos de frevo embalado pela Orquestra Popular do Recife e o Grupo Guerreiros do Paço, rumo ao palco do Cine São Luiz, prédio histórico, que acaba de celebrar 73 anos.

Lá, uniu-se ao diretor, Kleber Mendonça, à produtora Emily Lesclaux e ao resto do elenco de O Agente Secreto.

Relembrando o início da carreira, o ator citou duas passagens especiais pelo Recife. Em 2000, com a peça A Máquina, de João Falcão, com quem contracenou ao lado do conterrâneo Lázaro Ramos, no Armazém 14.

A parceria se repetiria dois anos mais tarde com o filme e a série Ó Paí Ó.

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Wagner Moura interpreta Marcelo, um professor viúvo que tenta fugir do Brasil com o filho durante a ditadura

Em O Agente Secreto, o ator é o protagonista Marcelo, personagem em torno do qual se desenrola toda a trama do thriller e que marca o retorno de Wagner Moura ao cinema brasileiro após 11 anos envolvido com produções internacionais.

A sua última atuação foi em Praia do Futuro, de Karim Aïnouz. “Não tinha momento melhor para voltar a filmar em português”, diz.

Para Wagner, “o filme é sempre a mistura entre o que um diretor e o roteirista querem dizer com o tempo em que esse filme é apreciado pelo público”.

Ambientado na segunda metade da década de 70, O Agente Secreto aborda questões como o abuso de poder e ameaças à democracia.

Moura diz que o filme foi gerado “num momento difícil pelo qual artistas, universidades e a imprensa brasileiras passaram entre 2018 e 2022”, durante o governo Bolsonaro.

O ex-presidente enxergava setores da imprensa, das artes e das universidades como inimigos ideológicos e promoveu cortes de verbas federais a essas áreas.

A estreia de O Agente Secreto coroa o encontro artístico entre Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho, que “primeiro se aproximaram por razões políticas”, diz o ator baiano, citando os anos Bolsonaro.

Hoje, porém, afirma que o momento político é outro.

“Uma coisa que eu tenho certeza é que, tanto eu quanto o Kleber, estamos muito orgulhosos do momento pelo qual passa o Brasil, as instituições brasileiras, a democracia no Brasil”, diz.

“Uma das coisas que mais fez mal ao Brasil foi a Lei da Anistia [1979], que perdoou torturadores, assassinos, pessoas que cometeram crimes terríveis contra outros seres humanos e contra a democracia”, diz.

“É tão bonito ver que hoje, finalmente, o Brasil está reencontrando-se com sua memória”, afirma.



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