A recente decisão do Governo do Estado do Ceará de intensificar a fiscalização sobre as queijarias irregulares, embora tenha sido celebrada por representantes da indústria formal de laticínios, acende um sinal de alerta para milhares de pequenos produtores artesanais espalhados pelo sertão cearense.
Segundo informações do Diário do Nordeste, o presidente da Agência de Defesa Agropecuária do Ceará (Adagri), Elmo Belchior Aguiar, revelou que existem cerca de duas mil queijarias irregulares em atividade no estado, concentradas principalmente no interior. O governo, após convocar novos aprovados em concurso, promete ações mais rígidas de controle sanitário sobre o setor.
Mas o que pode parecer apenas uma medida de segurança alimentar, esconde um problema social e econômico muito mais profundo. Todos nós, cearenses, conhecemos alguém – talvez um parente, vizinho ou conhecido – que tira o sustento da família vendendo leite fresco, queijos artesanais, nata e manteiga. Produtos feitos com saber tradicional, aprendidos com avós e passados entre gerações.
Esses agricultores trabalham durante a semana em suas roças e curralzinhos, cuidando com carinho das chamadas “vaquinhas”, ordenhando na madrugada, talhando o leite, prensando os queijos para vender nas feiras e mercados nos finais de semana. Agora, diante da intensificação das fiscalizações, o medo é que essa tradição seja sufocada por burocracias e penalidades.
Será que o governo quer transformar esse trabalhador rural em fornecedor exclusivo dos grandes laticínios, que pagam o litro do leite entre R$ 1,90 e R$ 2,10, valor que mal cobre os custos de produção? E o mais grave: será que vamos ver esses agricultores sendo multados, pagando taxas e até perdendo seus produtos em apreensões, como se fossem criminosos, apenas por manter viva uma tradição que alimenta o povo e movimenta a economia local?
A legalidade sanitária é importante, mas não pode ser imposta com a mesma régua para grandes indústrias e pequenos produtores familiares. O combate ao contrabando interestadual e à indústria clandestina de larga escala precisa ser feito, sim. Mas é necessário separar o joio do trigo: o produtor de fundo de quintal não é um contrabandista, é um sobrevivente da seca, da falta de apoio e da ausência do Estado.
Se a intenção do governo é realmente organizar o setor, que comece oferecendo condições para a regularização: assistência técnica, capacitação, isenção de taxas para quem vive da agricultura familiar e incentivo à formalização com dignidade. Do contrário, estaremos diante de mais um capítulo da elitização do campo e da extinção de práticas que fazem parte do modo de vida do povo cearense.
Não podemos permitir que a mão pesada da fiscalização destrua aquilo que a seca, o abandono e o tempo não conseguiram apagar: a força da produção artesanal, feita com suor, história e amor pela terra.
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