Na tarde de 4 de maio, Franciele da Silva aguardava a vez de ser atendida em um posto de saúde de Brumadinho. Estava com o filho Davi, de 3 anos. O menino tinha manchas na pele, coceira e febre, e assim que chegou ao posto vomitou. No dia anterior, um domingo, ele havia sido diagnosticado com princípio de pneumonia, e os médicos orientaram Franciele a trazê-lo de volta se os sintomas não abrandassem. A mãe estava preocupada, mas não surpresa. Era a segunda vez que Davi tinha uma pneumonia. Aos 4 meses de vida, o menino viveu a primeira das suas crises de bronquiolite, e um ano depois foi diagnosticado com sinusite. “A médica me falou que o caso dele é de contaminação pelo ar, por conta da poeira dos minérios”, disse Franciele, uma agricultora de 28 anos.
Ela e o filho moram no Tejuco, um vilarejo na zona rural de Brumadinho, próximo ao Córrego do Feijão, onde ficava a barragem da Vale que desabou em 25 de janeiro de 2019, causando a morte imediata de 272 pessoas. No Tejuco, a mineração prossegue, em meio à memória recente da tragédia. Uma poeira densa recobre as casas e os carros. Duas vezes por dia, um caminhão-pipa da mineradora passa enxaguando as ruas.
Desde 2021, a Fiocruz tem feito exames nos moradores da cidade para avaliar suas condições de saúde e possíveis sequelas deixadas pelo rompimento da barragem. A pesquisa é amostral e acompanha a evolução de um mesmo grupo de pessoas ano a ano, por meio de coletas de sangue e urina. Em janeiro deste ano, o instituto publicou um relatório comparando os resultados obtidos até 2023 por faixa etária (crianças, adolescentes e adultos). Na pesquisa mais recente, foram examinadas 2.826 pessoas. Como de praxe, mediu-se quantas delas tinham no organismo metais pesados – substâncias densas que, a partir de uma certa quantidade, são tóxicas para humanos.
Chamou atenção dos pesquisadores o fato de que o arsênio, um desses metais pesados (mais precisamente um semimetal), continua aparecendo em níveis elevados nos exames. O percentual de adultos com índice dessa substância acima do que é considerado tolerável diminuiu nesses três anos, mas ainda é alto: 23% (no auge, chegou a 34%). O mais intrigante é que entre as crianças de até 6 anos o percentual aumentou desde 2021, passando de 42% para 57%. A Fiocruz se orienta por uma portaria de 1994 do Ministério do Trabalho, ainda em vigor, segundo a qual o nível considerado aceitável de arsênio para um adolescente ou adulto é de, no máximo, 10 microgramas por grama (ug/g) de creatinina na urina. Por ser uma portaria do Ministério do Trabalho, contudo, ela não estabelece um critério para as crianças.
“Não temos um parâmetro estabelecido pelo Ministério da Saúde. É algo ainda pouco explorado nas pesquisas científicas”, diz Sérgio Viana, doutor em saúde pública que participou do estudo da Fiocruz. A piauí procurou o Ministério da Saúde para confirmar se não existe uma referência de quanto arsênio pode ser tolerado no corpo de uma criança, mas não obteve resposta.
A exposição continuada a partículas de arsênio – seja através da água, de alimentos ou do ar – provoca problemas de saúde como diarreia, enjoo, manchas, irritações na pele e doenças respiratórias. Casos mais graves podem resultar em distúrbios neurológicos, patologias cardiovasculares, diferentes tipos de câncer e, em grávidas, a malformação do feto. Uma exposição aguda que cause intoxicação por arsênio pode ser fatal: se não for tratada imediatamente, resulta em falência renal e parada cardíaca.
Não é incomum que, em cidades próximas a zonas de mineração, o arsênio – elemento abundante em sedimentos de ferro e depósitos de ouro – acabe contaminando água e alimentos, e, assim, seja ingerido por humanos. Uma pesquisa publicada em 2023 na revista científica Exposure and Health relatou que, de 506 moradores de Belo Horizonte escolhidos aleatoriamente, 138 deles (27%) apresentaram índices de arsênio acima do tolerável. A média encontrada na pesquisa foi de 9,7 ug/g.
No Tejuco, onde Franciele vive, os números são mais preocupantes. A média encontrada pela Fiocruz nas crianças de até 6 anos foi de 12 ug/g, na última pesquisa. Davi, seu filho de 3 anos, tinha um índice de 27 ug/g de arsênio no corpo, quase o triplo do que é considerado seguro para um adulto. Em outras crianças de Brumadinho, a taxa alcançava até 40 ug/g. “A gente se assustou com o resultado, né? Até porque até agora nenhum médico me falou o que tenho que fazer. Eles me pediram para esperar, para ver que orientações seriam passadas para eles”, disse Franciele, enquanto aguardava atendimento no postinho.
Os pesquisadores da Fiocruz não cravam uma relação entre o rompimento da barragem e os resultados dos exames. Todas as hipóteses levantadas por eles, no entanto, indicam que a contaminação por metais pesados é consequência das atividades de mineração em Brumadinho. “Esses metais não são produzidos pelo organismo humano, e a sua detecção decorre necessariamente de exposição excessiva no ambiente”, explicou a professora da faculdade de medicina da UFRJ Carmen Ildes, em uma audiência pública realizada em abril deste ano na Assembleia Legislativa de Minas. Ildes foi uma das pesquisadoras envolvidas no estudo da Fiocruz e participou da audiência para dar seu testemunho sobre a saúde das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem.
Parte dos rejeitos deixados pela tragédia de 2019 ainda circundam Brumadinho, já que as atividades de remediação socioambiental da Vale não foram concluídas até hoje. Nos 12 milhões de m³ de lama que varreram a cidade estava todo tipo de metal pesado, como chumbo, cádmio, mercúrio, manganês e, claro, arsênio. Outros problemas, em escala bem menor, continuam acontecendo nas minas de Brumadinho. Em fevereiro, por exemplo, duas mineradoras – a Tejucana e a Ferraria – foram multadas pela prefeitura depois que um dique pertencente a elas se rompeu, lançando rejeitos de minério sobre a mata nativa e um córrego.
“Ainda não dá para afirmar o que está acontecendo. A princípio, nossa hipótese é de que se trata de uma exposição não somente aos rejeitos da barragem, mas também ao processo minerário na região”, disse Viana à piauí. “O arsênio possivelmente vem sendo veiculado pela água, pelo solo e pela poeira. Mas uma investigação mais aprofundada teria de ser feita para entendermos isso.” Também é possível que o rompimento da barragem tenha trazido à superfície o arsênio que é naturalmente presente na região.
Segundo Viana, a discrepância entre os dados de crianças e adultos pode ter duas explicações. Uma é o fato de que as crianças têm menor massa corporal e, portanto, a contaminação pelo arsênio pode se manifestar de forma proporcionalmente maior nelas do que nos adultos. Mas é possível que a resposta esteja no comportamento infantil. “A criança talvez seja o nosso indicador mais sensível, porque se o arsênio está no ambiente e a criança brinca na terra, mexe com as coisas no chão, coloca a mão na boca e costuma sair mais de casa, ela é mais exposta a esse ambiente”, disse o pesquisador.
estudo da Fiocruz, ao mesmo tempo que acende um alerta importante, demonstra o quão pouco se sabe, até hoje, sobre o impacto do rompimento da barragem na saúde dos moradores de Brumadinho. Ainda que a presença de metais pesados no meio ambiente e no corpo dos moradores seja um fato comprovado há anos, ainda não há estudos detalhados que relacionem a presença dos metais aos problemas de saúde da cidade. Isso permitiria ter uma real dimensão de como a mineração – e, particularmente, uma tragédia como a de 2019 – afeta a vida das comunidades do seu entorno.
Os relatórios anuais da Secretaria de Saúde de Brumadinho mostram que, depois do rompimento da barragem da Vale, os diagnósticos e internações por doenças variadas aumentaram. Entre 2014 e 2018 – antes, portanto, da tragédia –, a cidade registrou 894 internações por doenças do aparelho digestivo. Entre 2020 e 2024, foram 1.171, um aumento de 31,5%. Internações por má-formação congênita ou por anomalias cromossômicas de recém-nascidos mais que dobraram, de 39 para 83. Doenças de pele também se tornaram mais numerosas, passando de 328 internações para 424. Não é possível comparar os dados de doenças respiratórias, que dispararam na pandemia.
A saúde mental de uma população que viu parentes, amigos e conhecidos sufocados pela lama é outro ponto de atenção. Em sua dissertação de mestrado defendida em 2024 na Faculdade de Economia da USP, a pesquisadora Priscila Porr comparou os atendimentos no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Brumadinho aos dos demais municípios de Minas Gerais. Concluiu que, embora Brumadinho historicamente tivesse uma média de atendimentos superior ao de outros municípios, essa diferença se acentuou muito depois do rompimento da barragem. Entre 2019 e 2022, a cidade registrou, em média, 30 mil atendimentos por 100 mil pessoas – o quíntuplo da média estadual. Comparada às 257 cidades mineiras com maior índice de desenvolvimento humano (IDH), Brumadinho passou a ter o dobro da média de atendimentos por abuso de álcool e outras drogas.
A pesquisa da Fiocruz mostra que, em 2023, 22,3% dos moradores adultos de Brumadinho tinham diagnóstico de depressão. Uma comparação com a média nacional seria imprecisa, pois o dado mais recente, de 10,2%, foi colhido na Pesquisa Nacional de Saúde de 2019. As estatísticas isoladas, porém, chamam a atenção. O número de adultos diagnosticados com “transtorno de ansiedade generalizada moderado ou severo” em Brumadinho, segundo a Fiocruz, passou de 19,2% em 2021 para 30,8% em 2023.
Os números, no entanto, devem ser lidos dentro do contexto. Depois do rompimento da barragem, Brumadinho recebeu investimentos para ampliar sua rede hospitalar, aumentando, com isso, a capacidade de atendimentos. É razoável presumir, além disso, que a tragédia fez com que mais pessoas procurassem os serviços de saúde para passar por exames, por se tratar de uma população em alerta com as consequências do desastre para o corpo. O aumento dos diagnósticos e internações, portanto, pode ser reflexo, em alguma medida, da maior notificação de doenças.
É o que a Vale argumenta. A assessoria da mineradora disse, em nota enviada à piauí, que a disparada dos atendimentos médicos se deve à “maior disponibilidade de serviços e atendimento qualificado ofertado à população em função das ações e programas previstos no Acordo Judicial de Reparação Integral”. Disse também que deve ser levado em conta “o impacto emocional da pandemia”. A Vale afirmou ter feito um levantamento comparando 26 municípios banhados pelo Rio Paraopeba e atingidos pela barragem e outros 41 da mesma região, sem ter encontrado “diferença estatística significativa na incidência de doenças relacionadas à exposição a metais pesados”. (A piauí pediu acesso a esse levantamento no final de maio, mas não o obteve até a publicação desta reportagem.)
Alguns dados menos sensíveis à variação por subnotificação ou supernotificação contradizem o discurso da Vale. A ocorrência de má-formação congênita de fetos, que dobrou em Brumadinho depois da tragédia, diminuiu 2% entre 2018 e 2024 em toda a região central de Minas Gerais, onde fica a cidade. E não foram só as internações que aumentaram. Entre 2015 e 2018, Brumadinho registrou 33 mortes por doenças do aparelho digestivo, número que saltou para 62 entre 2020 e 2023.
Há anos, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) – entidade que presta assessoria técnica aos moradores de Brumadinho e de cidades próximas – cobra do poder público a criação de um protocolo de saúde que considere a influência dos metais pesados no surgimento de doenças. O objetivo é permitir diagnósticos mais precisos e, com isso, qualificar os dados do sistema de saúde de Brumadinho. Não se descarta que os impactos do rompimento da barragem da Vale estejam, na verdade, subnotificados.
O protocolo, defende a Aedas, deve incluir um programa de vigilância periódica dos metais pesados no solo, no ar e na água, a capacitação de equipes médicas para esse cenário específico e uma comunicação mais clara sobre os riscos de se consumir água dos rios da região. A estrutura voltada para o tratamento de doenças mentais também tem de ser adaptada, diz a associação, de modo a considerar o contexto em que se dá esse adoecimento. “Os sintomas têm sido tratados de forma padrão, seguindo a lógica de tratamentos já estabelecidos, que desconsideram o rompimento da barragem”, diz Cecília Godoi, uma das coordenadoras da Aedas. “E esses sintomas frequentemente retornam, sem que os profissionais de saúde identifiquem as causas. O relato geral é o mesmo: esses problemas de saúde surgiram ou se agravaram após o rompimento da barragem.”
Abdalah Nacif, um dos representantes da Associação Comunitária dos Moradores de Beira Córrego, localidade próxima a Brumadinho, deu relato semelhante em abril, quando participou da audiência na Assembleia Legislativa de Minas. “Como até hoje não temos um protocolo de atendimento, o que acontece geralmente é o seguinte: as pessoas adoecem, vão às unidades de saúde e ouvem que ‘é uma virose’. Há um temor em associar essas doenças ao crime da Vale”, ele relatou. “Foram 272 pessoas que morreram no dia, mas as mortes por conta desse crime continuam acontecendo. As pessoas estão perdendo o prazer de viver, de pelejar, porque já foram seis anos…”
Também presente à audiência, o subsecretário de Vigilância em Saúde de Minas Gerais, Eduardo Prosdocimi, afirmou que foi aberto um edital na Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais para receber estudos que possam auxiliar o governo na construção de um protocolo de atendimento às pessoas expostas a metais pesados. A previsão, segundo ele, era de que uma primeira versão do protocolo fosse publicada até o fim de maio – o que não aconteceu. Espera-se, além disso, que um plano estadual de atenção à saúde de populações atingidas por desastres minerários e residentes em região de mineração fique pronto ainda este ano.
Numa visita de poucas horas a Brumadinho, é possível ouvir dezenas de testemunhos sobre doenças sem diagnóstico que vão e vêm. A dona de casa Cleuza de Jesus, de 55 anos, diz que tem uma enfermidade intestinal, mas, mesmo depois de passar por uma bateria de exames, incluindo colonoscopia, ainda não sabe de que mal está sofrendo. “O médico disse que pode ser por causa da água que a gente bebe, mas até agora ele não sabe direito o que eu tenho.” O marido de Cleuza, José Carlos de Souza – um ex-funcionário da Vale de 61 anos, atualmente desempregado – conta que tem crises respiratórias frequentes e manchas na pele. “É um trem esquisito. Vou ao médico direto, faço exames, tomo remédios caros, mas não resolve nada”, ele diz.
O casal mora em Retiro do Brumado, um dos povoados rurais de Brumadinho, e é rara a semana em que não visitam o posto de saúde. Ambos relatam ter ansiedade e insônia crônicas, e, por isso, tomam um antidepressivo e um remédio sonífero. Rodrigo Medeiros, balconista em uma farmácia da cidade, habituou-se a ver casos assim. Ele próprio toma uma dose alta de antidepressivos e soníferos diariamente. Tinha 18 anos quando a barragem da Vale rompeu, e dois de seus primos, funcionários da mineradora, morreram no desastre.
Medeiros morava em uma casa na beira do Rio Paraopeba e teve de se mudar para fugir da lama espessa e fétida que se alojou no curso d’água. “Comecei a ter alguns sintomas que eu não entendia: tremores, insônia… Minha mãe e minhas tias também precisam de medicamentos para dormir. Até hoje, a minha família só dorme com remédio.” A cidade, segundo ele, vive uma epidemia de adoecimento mental. “O custo de vida subiu muito por aqui. Existe uma ideia de que todo mundo recebeu alguma indenização e está com dinheiro, o que não é verdade. Eu e minha mãe, por exemplo, não fomos indenizados.”
Maria dos Anjos, de 56 anos, vizinha de Medeiros, acha que a população está adoecida porque, entre outros motivos, foi privada de seu estilo de vida. “A gente era acostumado a usar a água do Paraopeba para tudo. Em todas as casas tinha um quintal com hortas e pés de fruta. Agora isso acabou, porque os metais pesados estão por toda parte.”
Massoterapeuta e técnica em enfermagem, Maria dos Anjos há tempos vem tentando compreender e curar as doenças de pele que acometem os moradores de Brumadinho. Ela conta que, desde 2019, atendeu mais de cinquenta pacientes, valendo-se de pomadas à base de ervas naturais que produz em casa. “Os médicos não chegam a um consenso sobre o que é esse problema e costumam dar diagnósticos genéricos. Algumas pessoas já ouviram que se trata de uma doença sem cura com a qual terão de conviver pelo resto da vida. Além disso, o teste para metais pesados não é feito pelo SUS em Brumadinho.” A Secretaria de Saúde da cidade vem tentando viabilizar esse tipo de exame, mas por ora não foi capaz. A Fiocruz, ao coletar as amostras da população de Brumadinho, tem de levá-las a Belo Horizonte para que sejam examinadas.
Em alguns casos, segundo Maria, as manchas na pele são brancas, localizadas e coçam muito; outras viram feridas abertas que se espalham pelo corpo. A maioria das pessoas que ela atendeu vive perto do Rio Paraopeba, por onde escorreram os rejeitos da barragem, ou são parentes de pessoas que participaram do resgate às vítimas, expondo-se à lama. “Tratei recentemente uma moça que, na época do crime da Vale, lavou as roupas do sobrinho e do marido, que trabalhavam no resgate. Depois de um ano e meio de massagens com óleos e pomadas medicinais, as manchas dela foram sumindo.”
Nem sempre o método de Maria funciona. Foi assim com sua vizinha, a cuidadora de idosos Márcia Faria, de 55 anos. A infecção começou depois de uma enchente que atingiu casas próximas ao Paraopeba, em 2022. Junto da água, veio a lama; depois que a lama secou, veio a poeira. “Quando a gente foi limpar as casas, todo mundo sentiu a pele pinicando instantaneamente”, diz Márcia. Vários vizinhos ficaram cobertos de manchas, que depois evoluíram para bolhas. “Era muito feio, eu tinha vergonha de sair na rua”, ela conta. No hospital da cidade, a dermatologista disse a Márcia que ela tinha uma infecção, sem especificar a causa, e recomendou que tomasse por seis meses um remédio à base de corticoides. O tratamento, segundo ela, chegou a lhe custar 800 reais por mês.
A Vale, em nota enviada à piauí, afirmou que “não utiliza arsênio, chumbo e mercúrio em seu processo produtivo”. O arsênio, no entanto, é um subproduto do minério de ferro, esse sim extraído pela mineradora, e foi encontrado nos rejeitos da barragem, inclusive segundo as medições feitas pela própria empresa. A Vale disse ainda que, nos relatórios da Fiocruz, “a exposição aos metais pesquisados não caracteriza intoxicação”, e que tais substâncias “fazem parte do perfil geológico da região, e podem ser detectados na população sem que seja caracterizada intoxicação ou risco de danos à saúde”. Por fim, a mineradora afirmou ter feito “uma extensa investigação nos sedimentos e solos na Bacia do Paraopeba”. Segundo ela, os resultados não apontaram “concentrações de elementos potencialmente tóxicos acima dos limites estabelecidos pela legislação”.
No acordo de reparação socioambiental assinado depois da tragédia de 2019, a Vale se comprometeu a adotar várias medidas de contenção de danos. A empresa ficou responsável por mitigar a contaminação do ar, da água e do solo de Brumadinho por metais pesados. Em março deste ano, a Aecom, empresa responsável pela auditoria do acordo, constatou que essas medidas ainda estavam longe de sair do papel. Algumas das principais obras estão atrasadas, isso de acordo com o planejamento da própria Vale.
Inicialmente, a Vale prometeu remover todos os rejeitos da barragem até 2025, tarefa que foi prorrogada para 2030. A recuperação da Bacia do Ribeirão Ferro-Carvão, prevista para o fim de 2026, também foi empurrada para 2030. Os dois primeiros quilômetros do Rio Paraopeba deveriam ter sido dragados até setembro de 2020, mas isso só ocorrerá em agosto deste ano, segundo a previsão mais recente. O mesmo se aplica ao novo ponto de captação de água no Paraopeba, que seria construído até setembro de 2020 e está cinco anos atrasado.
Além disso, o acordo prevê a realização de um estudo de avaliação de risco à saúde humana e ecológico – conhecido pela sigla ERSHRE. Custeado pela Vale e acompanhado pelo governo de Minas, esse estudo vinha sendo realizado desde 2022 pelo Grupo EPA, uma empresa de consultoria ambiental. Em maio de 2024, o Comitê do Acordo Judicial de Reparação, que inclui, entre outros, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o governo de Minas, anunciou que o EPA seria desligado do projeto e que uma nova empresa seria contratada para “acelerar” a sua realização.
O estudo inclui, ao menos em tese, cinco etapas: audiências com as comunidades atingidas; investigações do solo, da poeira e das águas; avaliações de risco de contaminação; a criação de um plano de gestão ambiental; e a execução desse plano. Até agora, a pesquisa está emperrada na primeira fase, que tem previsão de ser concluída no primeiro semestre do ano que vem. Eduardo Campos, o subsecretário estadual de Vigilância em Saúde, reconheceu na audiência pública em abril que o “estudo está se arrastando por muito tempo”. Segundo ele, a nova empresa que dará continuidade a essa pesquisa ainda não foi contratada.
“Passados seis anos do rompimento, a demora na implementação de medidas de reparação ambiental perpetuam o sofrimento das comunidades atingidas, mantendo um ciclo de adoecimento físico, psicológico e social”, afirmou a Aedas, por meio de nota.
Questionada pela piauí sobre a demora nas obras, a diretora de reparação de Brumadinho na Vale, Gleuza Jesué, afirmou que isso se deve às mudanças de rotina de trabalho na pandemia, à demora na burocracia dos órgãos estaduais e às buscas, ainda em curso, pelas duas vítimas remanescentes do desastre. Por sua vez, Camilla Lott, diretora de sustentabilidade da mineradora, disse que “correlações” entre as doenças em Brumadinho e o rompimento da barragem vêm sendo estudadas. “Se o ERSHRE apontar qualquer relação entre impactos na saúde humana e do meio ambiente decorrente do rompimento da barragem, a Vale não vai se furtar à obrigação de reparar os danos.”