Uma das entidades que mais faturaram no esquema que desviou 6 bilhões de reais de aposentados deveria ter sido descredenciada pelo INSS no ano de 2020. A Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) era alvo de uma fiscalização interna e se recusava a apresentar as fichas de filiação e associação de aposentados. Por isso a Diretoria de Benefícios do INSS iniciou um processo para a rescisão do acordo de cooperação técnica, o que a impediria de descontar o dinheiro dos aposentados e pensionistas. Em vez de ser expulsa do sistema, entretanto, a Conafer foi resgatada pelo governo Bolsonaro, em uma reviravolta suspeita ­– e, nos anos seguintes, tornou-se uma das maiores beneficiárias do esquema que drenou bilhões de reais de aposentados e pensionistas.

O escândalo do INSS explodiu no governo Lula, mas a captura do órgão por entidades fraudadoras começou bem antes, como mostra uma reportagem publicada edição deste mês da piauí. No governo Michel Temer, de 2017 para 2018, os descontos em folha de aposentados cresceram 34%, alcançando 617 milhões de reais. Já vinham sendo, naquela época, alvo de denúncias. Na transição de governos, medidas de contenção foram discutidas e, logo em janeiro de 2019, o governo Jair Bolsonaro editou uma medida provisória que obrigava as associações a revalidar anualmente a filiação de seus beneficiários e a apresentar autorização expressa para os descontos. A regra que apertava o cerco às fraudes foi afrouxada no Congresso: a revalidação passou a ser exigida só a cada três anos.

Apesar disso, por um breve momento, houve sinais de que o governo enfrentaria o problema. Nomeado presidente do INSS, o procurador federal Renato Rodrigues Vieira criou uma diretoria de integridade, chefiada por um delegado da PF, e apertou os critérios. Sua gestão encerrou os acordos com quatro associações sob suspeita. Em 2020, atolado na crise das filas de atendimento, Vieira deixou o cargo. Em seu lugar entrou Leonardo Rolim, técnico da Câmara. Rolim deu sequência ao descredenciamento de entidades suspeitas – até topar com a Conafer.

Em 31 de agosto de 2020, a confederação comandada por Carlos Roberto Lopes – empresário ligado ao agronegócio e à mineração – foi notificada pelo INSS e teve dez dias para se defender das acusações de desconto ilegal. Em vez disso, deu-se uma reação violenta. Dois servidores responsáveis pela fiscalização relataram ter recebido mensagens anônimas, com fotos e endereços de suas famílias.

Em paralelo, a Conafer apresentou um recurso contra a rescisão. E o INSS recuou.

O presidente Leonardo Rolim, de uma hora para a outra, transferiu a gestão dos acordos da Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão (Dirben) – que vinha fazendo um trabalho sério e rígido contra as fraudes – e passou para a Diretoria de Atendimento (Dirat). Oficialmente, a alteração pretendia racionalizar o serviço, mas o fato é que, para a quadrilha de falsários, foi uma bênção que caiu do céu.

Em menos de um mês, a Conafer teve seu convênio restabelecido e viu um aumento vertiginoso na arrecadação: saltou de 458 mil reais em 2019 para 59 milhões em 2020. Em plena pandemia, tornou-se a segunda entidade que mais descontava valores de aposentadorias no país, atrás apenas da Contag. Em 2022, último ano do governo Bolsonaro, a Conafer já embolsava mais de 96 milhões de reais.

As suspeitas não pararam aí. Um empresário que levou um calote da Conafer prestou dois depoimentos à Polícia Civil, afirmando que a entidade falsificava documentos e que o presidente da confederação dizia ter “domínio sobre os diretores do INSS” e realizava “repasse de vantagens financeiras”. Foi a primeira denúncia direta de pagamento de propina a integrantes da cúpula da autarquia. Nada aconteceu. 

A Justiça do DF negou, duas vezes, os pedidos de quebra de sigilo bancário da Conafer e de seus dirigentes. “Ainda não me parece possível afirmar que as autorizações não existem”, decidiu o juiz Osvaldo Tovani na época. O empresário Carlos Lopes e a diretoria da Conafer, procurados pela piauí, não quiseram falar. O ex-presidente do INSS, Leonardo Rolim, também não quis se manifestar.

Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.





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