Crédito, Getty Images
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- Author, Tom Cardoso
- Role, De São Paulo para a BBC News Brasil
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A cantora Angela Ro Ro, morta hoje aos 75 anos por complicações após um procedimento cirúrgico, não era só irreverente fora dos palcos.
Uma das raras intérpretes brasileiras que também compunham, superou o machismo escrevendo canções marcantes como Amor meu grande amor, Balada da arrasada e Gota de sangue.
Homossexual assumida, sem papas na língua, a carioca cantava as desventuras amorosas, narradas em canções confessionais — numa época em que quase ninguém ousava a sair do armário. Ela nasceu em 1949.
Influenciada por cantoras como Maysa e musas do jazz americano como Ella Fitzgerald, Ro Ro morou em Londres, no começo da década de 1970, onde conciliou subempregos com o começo da atividade musical — participou, indicada pelo cineasta Glauber Rocha, do histórico álbum Transa, de Caetano Veloso então no exílio, tocando gaita na faixa Nostalgia.
Ao retornar para o Brasil, gravou o primeiro disco em 1979, com Amor, Meu Grande Amor, seu primeiro grande sucesso.
Ro Ro se destacou por interpretar canções românticas com um clima de blues, algo incomum no gênero.
A BBC News Brasil listou cinco canções compostas por Angela Ro Ro que são exemplos de seu talento artístico e ousadia. Todas são do período de 1979 a 1980, sua fase mais fértil em criações.
1. Amor meu grande amor, 1979 (Ângela Ro Ro e Ana Terra)
Ro Ro viveu grandes e passionais histórias de amor. Com a também cantora Zizi Possi, foram anos de um relacionamento intenso e conturbado. No fim, Zizi a acusou publicamente de agressão.
A Ro Ro mulher resolvia os conflitos com o fígado. A compositora tendia a ser um pouco mais sutil.
A sua mais famosa música, Amor meu grande amor, composta com Ana Terra, começou a nascer após uma desilusão amorosa.
Os primeiros versos surgiram ali mesmo, durante a fossa, curtida num bar do Leblon, bairro nobre do Rio.
A música demorou para ser completada.
Ana Terra, parceira de Ro Ro, escreveu boa parte da letra, o que desmonta a tese de que a canção é toda autobiográfica.
“Até hoje tem gente que esquece que a letra é da Ana Terra e vem me perguntar o que quer dizer ‘a vida do teu filho desde o fim até o começo’. Eu falo: ‘Não sei, pergunta pra Ana Terra’. Música não tem endereço, música tem inspiração”, disse Angela Ro Ro em matéria publicada em 2021 no site Monkeybuzz.
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2. Minha mãezinha, 1979 (Ângela Ro Ro)
A canção é uma provocação à mãe de Ro Ro, que também vivia provocando a filha, dizendo: “Um dia vou compor uma música chamada Minha Filhinha“.
“Nós nos dávamos bem pra caramba (…) minha mãe era muito engraçada”, disse ao site Monkeybuzz.
Para Ro Ro, a mãe, Dona Conceição, cantora ocasional, era o verdadeiro talento da família.
“Eu sou uma cópia malfeita de Mamy, porque a verdadeira estrela é a Conceição, de onde eu puxei a voz e a música.”
Mas apesar do carinho mútuo, não deixava de ser uma relação de mãe e filha, cheia de imposições e cobranças. Só que nesse caso, a filha era Angela Ro Ro, ou seja: alguém que não deixava passar nada:
Sua voz/ Tão difícil de calar, não me diz mais nada/ Já não carrega mais/ O doce mel da abelha rainha/ Me deixe em paz, minha mãezinha
3. Mares da Espanha, 1979 (Angela Ro Ro)
Seria Angela Ro Ro a mãe do gênero sofrência? Pela quantidade de canções de amor, a maioria de paixões não correspondidas, talvez sim. Mas é bom que se diga: nem sempre ela estava sofrendo de verdade.
Coisas da idade — Ro Ro começou a compor muito cedo. É aquela coisa da juventude de “já estou sangrando de paixão”.
“Aí você diz assim: ‘Mas, uai, eu não estou apaixonado por ninguém’. Enfim, não têm endereço. Eu conto mil histórias. Algumas foram verdadeiras, outras metade é verdade e metade não.”
É o caso de Mares da Espanha.
“Eu inventei tudo”, contou Ro Ro.
Não importa. O que pode ser mais sofrido e bonito do que isso?
Nem que eu caminhasse às três da manhã/ Nem que eu me enganasse pra ver o que é bom/ Nem que eu caminhasse até o Leblon/ Não iria encontrar
Crédito, Roberto Filho/Divulgacão/26° Prêmio da Música Brasileira 2015
4. Abra o coração, 1979 (Angela Ro Ro)
Ro Ro deixou de beber e usar cocaína em 1999. Por pouco, não teve o destino de muitos amigos e namoradas, como a homenageada nesta canção pouco conhecida de seu repertório.
“Uma falecida namorada minha, que morreu de Aids. Infelizmente, nova ainda, entrou na cilada da droga pesada, cocaína. E você sabe que é difícil sair. Fiz Abra o coração pra ela”.
Ro Ro considerava esta a sua letra mais bonita:
Para de gelar, de entorpecer/ Para de secar o que quer escorrer
5. Preciso tanto!!!, 1980 (Angela Ro Ro e Sérgio Bandeyra)
Gravada no segundo disco Só nos resta viver, considerado um dos mais corajosos de Ro Ro, virou um hino das lésbicas mais atuantes.
Eu quero na raça e no peito/ Você quer saber se é direito/ Primeira vez…
Autobiográfica como a maioria de suas canções, Preciso Tanto!!! é sobre uma mulher tentando convencer outra a sair do armário, em nome do prazer.
Você diz que é bom, mas não quer/ Tem medo de virar mulher/ Virar freguês/ Assim não vai dar/ A minha vontade é tão grande/ Não pode esperar/ Preciso tanto!!!
A canção também foi interpretada em um dueto por Cazuza e Ro Ro, em 1989.