
Silvio Tendler, de 75 anos, morreu na sexta-feira, cinco de setembro de 2025. Um dos grandes documentaristas do Brasil, ele enfrentava uma neuropatia diabética.
Os Anos JK, de 1980, já dava sinais de que Silvio Tendler provocaria uma mudança na relação do público com o documentário. O gênero levaria gente aos cinemas.
Seu filme de maior bilheteria, no entanto, é pouco lembrado como um filme de Silvio Tendler. O Mundo Mágico dos Trapalhões teve 1 milhão e 800 mil espectadores.
O Mundo Mágico dos Trapalhões, de 1981, não é lembrado como um filme de Silvio Tendler porque não é sobre política. É sobre um popular quarteto de comediantes.
Os Trapalhões não eram bem vistos pelo público de “bom gosto”. O filme de Tendler é do momento em que isso se quebrou, e até Chico Buarque fez um filme com o quarteto.
Juscelino Kubitschek morreu em 1976. Os Anos JK é de 1980. O filme recuperava a sua memória e a da democracia brasileira quando a ditadura estava perto do fim.

Mas foi Jango, em 1984, que consolidou o nome de Silvio Tendler e mudou o diálogo do público com o documentário. O filme foi visto por 1 milhão de espectadores.
1984 foi um ano marcante para o documentário político brasileiro. Teve Jango, de Silvio Tendler, e teve Cabra Marcado Para Morrer, de Eduardo Coutinho.
E 1984 foi também o ano da memorável campanha das Diretas Já. A ditadura era vista nas telas dos cinemas, enquanto o povo nas ruas pedia o fim do regime militar.
Jango contava a história da deposição do presidente João Goulart e do que se seguiu a ela. Cabra Marcado Para Morrer se debruçava sobre as lutas camponesas a partir da figura de Elizabeth Teixeira, a viúva de João Pedro Teixeira.
Jango narra o pré e o pós 64 sob a ótica da elite política. Cabra Marcado Para Morrer traz a ótica do povo. O filme de Silvio Tendler é um grande documentário brasileiro. O filme de Eduardo Coutinho é o melhor documentário realizado no Brasil.
História e cinema documental foram os grandes interesses da vida de Tendler e da sua trajetória artística. O diálogo entre os dois, transformado em filmes, é seu legado.
Em Jango, Silvio Tendler confrontava duas visões. A visão da ditadura era a do general Antônio Carlos Muricy. A visão da democracia era a de Leonel Brizola.
Mas os documentários não são nercessariamente imparciais, e Jango tinha lado. Era o lado de Silvio Tendler, o lado das lutas democráticas e de uma utopia brasileira.
Em 1992, Silvio Tendler foi um dos diretores de Anos Rebeldes, série da TV Globo. Coube a ele fazer os pequenos filmes que eram inseridos no meio da trama de ficção.
Nos pequenos filmes, em preto e branco, havia uma música da década de 1960, e os personagens da ficção de Gilberto Braga se misturavam com imagens da vida real.
Na filmografia de Tendler tem Glauber, O Filme – Labirinto do Brasil (2003), Utopia e Barbárie (2009) e Tancredo, A Travessia (2011), todos lembrados nos necrológios.
Mas não vi menções a Brizola, Anotações Para Uma História (2024). Em seu último filme, Silvio Tendler reafirma as crenças e os compromissos da vida inteira.
Seu cinema tem retratos expressivos de Juscelino Kubitschek, João Goulart, Tancredo Neves e Leonel Brizola. São retratos que Silvio Tendler tirou de quatro democratas. São, no fundo, quatro retratos da luta pela manutenção da democracia brasileira.