Em maio de 2019, o jornal The Washington Post decidiu entrar no TikTok para se conectar com a geração Z. Liderada pelo jornalista Dave Jorgenson, a iniciativa selecionou algumas notícias do jornal para serem transmitidas na plataforma de vídeos curtos com a linguagem das trends (conteúdos que viram tendência). A estratégia deu certo, e o engajamento foi alto. Mas alguns jovens não se deram conta de que se tratava de um jornal. “[..] tinha uma audiência jovem que não conhecia antes o Washington Post e achava que Washington era o nome de um cara”, contou a executiva do YouTube Kourtney Bitterly durante a mesa Conversa com o YouTube, no primeiro dia do 9º Festival piauí de Jornalismo, neste sábado. Atualmente, Bitterly cuida da área de mídia e tecnologia no YouTube. Seu trabalho principal é colaborar com veículos jornalísticos para desenvolverem e expandirem estratégias de conteúdo e engajamento de audiência na plataforma. Antes de exercer esse cargo, Bitterly liderava a área de pesquisa e desenvolvimento do New York Times, com passagens anteriores pelo mercado financeiro e uma empresa global de design e inovação. A conversa ocorreu na Cinemateca Brasileira e foi mediada pelos jornalistas Clara Becker e Guilherme Amado, cofundadores do projeto Redes Cordiais (Amado também possui um canal no YouTube, @AmadoMundo).
Ainda que a confusão dos jovens a respeito do Washington Post tenha ocorrido em outra plataforma, ela dá uma pista do poder crescente dos chamados newsfluencers – os influenciadores de notícias. São os jornalistas que investem em canais próprios de criação de conteúdo, ou os criadores de conteúdo que se especializam na veiculação de notícias no YouTube. Durante a conversa, Becker lembrou um caso brasileiro recente emblemático. Nas Olimpíadas de Paris, em 2024, o surfista Pedro Scooby foi contratado pela CazéTV para assumir o papel de repórter participante. Ao fazer entrevistas na água e por ser do meio, conseguiu bastidores que outros jornalistas não tinham. A CazéTV foi criticada pela postura, o que provocou um debate maior sobre a importância da credibilidade jornalística na cobertura de eventos importantes. “O que as pessoas mais buscam é a confiança naquela pessoa que está passando a informação, independentemente de ela ser influencer ou jornalista”, Bitterly comentou. Ela citou o canal do YouTube do jornalista e escritor mexicano Alejandro Páez Varela – SinEmbargo AI Aire – como um caso de sucesso. “A confiança é um fator chave, e as pessoas tendem a confiar em indivíduos.”
Apesar de ter trabalhado num dos jornais mais prestigiados do mundo e estar à frente de colaborações jornalísticas em seu emprego atual, Bitterly reitera que o YouTube não vai perder sua essência. “Segue como uma plataforma, não uma empresa de mídia. A meta é criar um ambiente em que informações de qualidade possam prosperar, permitindo que criadores e organizações de notícias publiquem seu conteúdo, ampliem suas audiências e gerem receita, sem atuarmos como editores.”
Quando Amado perguntou se o presidente americano Donald Trump era um fã ou hater do YouTube, Bitterly se esquivou. “Eu diria que provavelmente há pessoas melhores que eu para responder essa questão. Meu foco está nos criadores e nas visualizações.” Becker indagou sobre o risco de desinformação e conteúdos violadores de normas em anos eleitorais. “80% desse conteúdo é removido com menos de dez visualizações”, Bitterly disse, e explicou que a plataforma tem dispositivos automáticos combinados a avaliações humanas para detecção de violações, além de usuários que relatam e denunciam o conteúdo.
Amado perguntou também sobre uma possível concorrência com o Spotify, já que a plataforma de áudio começou recentemente a incluir vídeos. “Queremos abraçar todos os investimentos em experiências visuais.” Bitterly respondeu. “Essas são as coisas nas quais focamos em vez de olhar as estatísticas em relação aos concorrentes.”
A mesa terminou de forma didática, com dicas de Bitterly para estudantes de jornalismo. “Observar outros canais (de notícias e não notícias) para entender tendências e comportamentos do público. E, observando minha própria experiência, eu diria para fazerem um curso de administração. Ao criar um canal no YouTube, você vira um empresário.”