Na manhã de 19 de janeiro de 2007, uma sexta-feira, o jornalista Hrant Dink foi assassinado a tiros em frente à redação do Agos, jornal que fundou e do qual era editor-chefe. Nascido na Turquia, mas de origem armênia, Dink era um dos poucos jornalistas no país a tratar abertamente do genocídio cometido contra os armênios pelo Império Otomano, entre 1915 e 1923. O assunto é um tabu na Turquia, que até hoje não assumiu responsabilidade pela matança ocorrida há mais de cem anos. Por isso, o Agos virou alvo de ultranacionalistas turcos. O rapaz de 17 anos que matou Dink era um deles.

“Um amigo me ligou e me disse que mataram o Hrant. Cinco minutos depois eu estava na porta do jornal. Era o terror, muitos jovens jornalistas chorando, todos em pânico”, contou Pakrat Estukyan, ao participar do Festival piauí de Jornalismo neste domingo (7). Ele, que trabalhava como bioquímico em um laboratório de Istambul, se sentiu impelido a trabalhar no Agos para manter viva a criação de Dink. Tornou-se, pouco depois, o editor responsável pela seção de artigos escritos em armênio (o jornal é bilíngue, escrito também em turco).

Estukyan foi entrevistado no palco pelo editor do site da piauí Luigi Mazza e pela documentarista e artista visual Cassiana Der Haroutiounian. Assim como Dink, ele é turco de família armênia. Seus quatro avós foram sobreviventes do genocídio, que é tema recorrente nos artigos publicados pelo jornal. Ele contou como o Agos, apesar das ameaças e da antipatia expressa do governo turco, ainda consegue se manter em pé. O jornal, de pequeno porte, é financiado pela família de Dink e, segundo o editor, tem uma circulação de aproximadamente 4 mil exemplares por semana. Por meio de seu site, no entanto, alcança um público maior, com análises políticas publicadas em turco, armênio e também em inglês. 

O Agos, pela linha editorial e o formato bilíngue que adotou desde o começo, é uma exceção na imprensa turca, sobre a qual o governo Erdogan vem avançando aos poucos. “Em termos de liberdade de imprensa, a Turquia está em um nível muito baixo”, disse Estukyan. “O governo diz que não há jornalistas na prisão. Nega que haja prisioneiros políticos, mas eles existem. A verdade é que não sabemos até quando teremos liberdade.”

No ano passado, Estukyan foi julgado na Turquia, junto a outros três réus, sob a acusação de “fazer propaganda para uma organização terrorista”. Isso porque ele havia publicado, na revista Demokratik Modernite, um artigo se referindo às milícias curdas da Síria como uma “guerrilha” – termo que não é admitido pelo Estado turco. Ao final do julgamento, realizado em Istambul, Estukyan foi absolvido. Mas o editor da revista, Ramazan Yurttapan, não teve a mesma sorte: foi condenado à prisão e hoje cumpre pena numa penitenciária turca.

Um exemplo de como o genocídio ainda é um assunto divisivo na Turquia: em 2015, ano em que esse evento histórico completou cem anos, o presidente da Turquia Recep Tayyip Erdoğan deixou claro que o país não assumiria responsabilidade pelo ocorrido. “A diáspora armênia está tentando incutir o ódio contra a Turquia por intermédio de uma campanha mundial baseada em alegações de genocídio, com vistas ao centenário”, afirmou Erdogan.

Muitos países, o Brasil incluso, não reconhecem formalmente o genocídio armênio, para não se indispor com a Turquia. Em 2021, o então presidente americano Joe Biden deu um passo importante nessa direção, usando a palavra “genocídio” para se referir à violência praticada contra os armênios – um marco histórico, considerando que o governo turco é um importante aliado dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). No final de agosto, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, também reconheceu o genocídio numa entrevista que deu a um podcaster de família armênia.

“A negação do genocídiio é a continuação do genocídio”, disse Estukyan, neste domingo (7). “A cura começa com o reconhecimento. É preciso aceitar o genocidio para que o povo que sofreu e os seus herdeiros comecem a se curar.”





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