O esquema de fraudes que drenou bilhões de reais das aposentadorias dos brasileiros atravessou três governos e resistiu a sucessivas tentativas de contenção. No centro da engrenagem, operavam servidores do alto escalão do INSS e entidades de fachada que lucravam com descontos indevidos em folha. Mas uma anotação descoberta pela Polícia Federal pode elevar a gravidade do caso a outro patamar.

A piauí apurou que, entre os mais de dez cadernos apreendidos com Antonio Carlos Camilo Antunes – o “Careca do INSS”, operador financeiro do esquema –, há uma anotação que menciona a “Justiça do DF”, associada a um percentual. O registro foi feito por sua secretária, a mesma que escreveu, nessa folha de caderno, os nomes “Stefanutto 30%” e “Virgílio 30%”, em provável referência ao então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e ao procurador-geral da autarquia, Virgílio de Oliveira Filho, ambos investigados e afastados de seus cargos. Uma reportagem publicada pela piauí há poucos dias detalhou o pagamento de propinas a Oliveira Filho.

A piauí ouviu quatro autoridades que tiveram acesso ao material apreendido na operação. Todas confirmam a citação ao braço do Judiciário do DF, mas há divergências em relação ao percentual. Para uns, a anotação informa “Justiça do DF 15%”. Para outros, “Justiça do DF 40%”. Os cadernos foram encontrados na sede da Prospect, empresa de consultoria pertencente ao Careca do INSS e localizada em Taguatinga (DF).

A Polícia Federal está debruçada sobre essa informação. Até agora, trabalha com duas hipóteses: os percentuais podem se referir a despesas judiciais ou, numa leitura grave, indicar um repasse de propina.

Os documentos que agora vêm à tona foram apreendidos na Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal na manhã de 23 de abril. Em 34 cidades, 628 policiais federais cumpriram 211 mandados de busca e apreensão e 6 mandados de prisão temporária. Em maio, os policiais voltaram a campo e apreenderam veículos de luxo atribuídos ao Careca do INSS. Estima-se que o esquema roubou cerca de 6 bilhões de reais de pelo menos 1 milhão de aposentados e pensionistas.

Enquanto os repasses suspeitos e os percentuais se multiplicavam, propostas de controle e auditorias internas eram sistematicamente engavetadas. A proposta de cooperação da CGU com o INSS para prevenir fraudes, por exemplo, foi arquivada sem explicações em janeiro de 2024. Um servidor da autarquia ouvido pela piauí atribui o sepultamento da medida a Stefanutto: “Ele enterrou o assunto.” 

O adiamento de medidas que poderiam enfrentar as fraudes tornou-se regra. À piauí, Glauco Wamburg, o primeiro presidente do INSS no governo Lula, disse que apresentou o plano de implantar uma biometria dos associados em março de 2023, mas o Ministério da Previdência Social não deu maior atenção ao assunto. “A decisão de não priorizar isso pode ter contribuído para o escândalo que veio depois”, diz ele. Na gestão de Stefanutto, a biometria encomendada à Dataprev, empresa de tecnologia da Previdência, levou quase dois anos para sair do papel e, quando foi finalmente implantada, Stefanutto permitiu que funcionasse, por seis meses, junto com a biometria fake contratada pelas entidades – o que, na prática, garantiu a manutenção do fluxo do dinheiro desviado dos aposentados.

Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.





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