Crédito, Vedran-Janic/ UltraSwim 33.3
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- Author, Lizzie Enfield
- Role, BBC Travel
Estamos nadando 3 km do cabo Pelegrin, no canto nordeste da ilha de Hvar, na Croácia, através de um canal de águas abertas até a ilha de Palmizana.
A água está agitada, o que torna Palmizana apenas uma porção de terra distante acima das ondas. Ao chegar do outro lado, ainda faltam 5 km pela frente — contornando a costa das Ilhas Pakleni, passando por enseadas escondidas e baías tranquilas cercadas por pinheiros.
Mas a minha atenção não está na paisagem. Eu estou focada nas boias de reboque cor-de-rosa dos nadadores à frente.
Durante a alta temporada de verão, esse arquipélago fica cheio de turistas vindo de Split, que relaxam em barcos e flutuam nas águas rasas e turquesas. Mas, no início de maio, as praias ficam vazias, a água é fria e o único som ouvido é o ritmo constante dos braços batendo na superfície.
Estou aqui para participar do circuito UltraSwim 33.3, uma aventura de quatro dias por cada ponto da ensolarada costa sul da Croácia, em um percurso de 33.3 quilômetros — o equivalente à distância de uma travessia do Canal da Mancha.
O UltraSwim faz parte de uma tendência crescente em viagens: férias baseadas em provas de resistência física, em que o objetivo não é o descanso, mas a transformação.
“Eu queria criar algo que juntasse uma corrida, um desafio e uma aventura nas férias”, disse Mark Turner, fundador do circuito.
“Há uma geração de pessoas entre 40 e 60 anos que ainda busca esse tipo de desafio, mas que também quer se hospedar em um bom hotel, comer bem e talvez trazer seu parceiro para explorar a região. A travessia do Canal da Mancha é icônica, mas a experiência em si não é tão agradável. O que tentei criar aqui foi a mesma sensação de conquista, mas em águas mais claras, com paisagens incríveis — e uma taça de vinho no final.”
O UltraSwim é apenas um exemplo de uma nova onda crescente de experiências de viagem baseadas em resistência física que estão redefinindo o conceito de “férias” ou “folga” do trabalho.
Em vez de simplesmente relaxar na praia ou explorar uma nova cidade, um número cada vez maior de viajantes está optando por superar seus limites — seja em uma ultramaratona de 171 km ao redor do Mont Blanc, uma corrida de 250 km pelo deserto marroquino ou para esquiar 220 km através do Círculo Polar Ártico, na Finlândia.
Alison King, uma arquiteta paisagista de 56 anos, de Londres, é uma dessas pessoas.
“Eu decidi me inscrever no UltraSwim 33.3 na Croácia porque, depois de duas décadas dedicadas a criar meus dois filhos e presa à rotina escolar, eu estava com fome de viver”, afirmou.
King, que nunca se considerou atlética, ficou inicialmente intimidada com os 12 km de nado no dia mais longo de prova.
“Eu gostava de nadar, mas nunca tinha feito parte de um time ou praticado esportes competitivos. No início, me senti uma impostora, mas eu dei conta. Terminei forte, calma e eufórica. Foi assustador em alguns momentos, mas a alegria de estar lá fora no mundo, de me conectar com outras pessoas e com o oceano…isso é algo que levarei comigo. Não foi só uma viagem. Foi um recomeço.”
Crédito, UltraSwim 33.3
Essa sensação de transformação é comum no universo das provas de ultrarresistência. Em diferentes modalidades, os participantes frequentemente descrevem suas experiências em termos quase espirituais — não apesar da dor e do esforço, mas justamente por causa deles.
“Eu descreveria como a melhor e a pior semana da minha vida, com altos e baixos reunidos em uma experiência só”, diz Gemma Morris, uma comissária de bordo de 41 anos que completou a Maratona das Areias, uma ultramaratona de 250 km pelo Saara marroquino.
“Você corre distâncias enormes sob um calor brutal, dormindo mal, vivendo com o mínimo. Mas há algo incrivelmente mágico naquela paisagem: o nascer do sol, o silêncio, os céus estrelados sem poluição luminosa. A solidão te dá tempo para pensar, para estar presente com você mesmo. Mais do que isso, faz com que você valorize as pequenas coisas.”
A expansão dessas provas de resistência ao redor do mundo fez com que elas deixassem de ser atividades de nicho para se tornar um fenômeno global.
O UltraSwim espera atrair aproximadamente 600 participantes de pelo menos 38 nacionalidades em 2025, com a ambição de aumentar para seis a oito eventos e mais de 1.000 nadadores nos próximos três anos.
A UTMB World Series, um circuito global de ultramaratonas em montanhas, já reúne 200 mil corredores em 50 eventos esgotados anualmente.
No ciclismo, a Race Across France cresceu de 300 participantes em 2021 para 1.400 este ano, com percursos que variam de 300 km a 2.500 km. E as provas de swimrun — uma combinação de corrida em trilha com natação em águas abertas, criada na Suécia — estão se multiplicando rapidamente pelo mundo.
Benefícios econômicos e culturais
Embora esses esportes de resistência levem o corpo humano ao limite, eles também trazem benefícios econômicos, sociais e culturais para os países que os recebem.
“Um evento desse com 250 pessoas pode gerar em torno de €50 mil (R$ 322 mil, na conversão atual) em gastos com alimentação e hospedagem”, afirma Michael Lemmel, co-fundador do ÖTILLÖ Swimrun World Series, que teve início no arquipélago de Estocolmo.
“Mas, mais do que isso, esses eventos atraem um tipo diferente de turista, alguém que é mais conectado à natureza, às experiências ao ar livre, e não apenas à vida noturna.”
A ilha de Hvar, antes conhecida principalmente por seu clima hedonista de verão, começa a abraçar essa nova identidade. Além do UltraSwim, a ilha agora recebe acampamentos de ciclismo, provas de corrida em trilhas e travessias de natação de longa distância.
“Esses eventos ajudam a estender a temporada de turismo e atrair visitantes mais engajados”, afirmou Iva Belaj Šantić, diretora do Conselho de Turismo da cidade de Hvar.
“Mas eles também enriquecem a vida da comunidade local. Crescer em uma ilha pode significar ter acesso limitado a atividades. Esses eventos trazem visibilidade e inspiração, especialmente para os nossos jovens. O motivo pelo qual um turista vem é tão importante quanto aquilo que ele deixa para trás. “
Crédito, Alamy
Paula Reid, psicóloga especializada em aventuras — que já participou de várias expedições polares e travessias de oceanos, além de ajudar outras pessoas a se preparar para desafios semelhantes — acredita que haja uma explicação biológica para o interesse crescente das pessoas por férias com provas de resistência.
“Essas viagens oferecem uma espécie de recomeço evolutivo”, explicou. “Nós evoluímos para caçar e coletar alimentos em grandes distâncias. Para muitas pessoas, a vida se tornou fácil demais. É fisicamente pouco exigente. Mas somos biologicamente construídos para o desconforto, o desafio e a adversidade. Precisamos disso para crescer.”
O resultado é um tipo de viagem que não apenas restaura, mas te transforma. É sobre ver uma nova paisagem e, dentro dela, enxergar a si mesmo de forma diferente. E, para muitos, vale bem mais do que beber um drink à beira-mar.
Crédito, UltraSwim 33.3
Enquanto nos arrastamos para fora da água ao final da última etapa, em Hvar, o sol se põe por trás dos muros do porto. Meus ombros estão doloridos e o sal forma está incrustado na minha pele.
Mas há algo silenciosamente triunfante na fadiga compartilhada, nos apertos de mãos, nas risadas e na promessa de peixe grelhado e vinho tinto logo ali, subindo a colina. Nós viajamos por um lugar, e trabalhamos para conquistá-lo. E, de alguma forma, isso faz com que o lugar — e a memória dele — dure ainda mais.
Dicas e treinamento
- Eu preciso estar em ótima forma física?
Muitos desses eventos são voltados para amadores com preparação adequada, embora seja recomendado checar os pré-requisitos de condicionamento físico e as exigências médicas antes de se inscrever.
No caso do UltraSwim 33.3, os participantes precisam ser capazes de nadar 2,5 km em uma hora (em piscina) e já ter realizado pelo menos uma travessia de 5 km em mar aberto.
Os pacotes incluem acomodação, alimentação, equipes de apoio, transporte de equipamentos e supervisão de segurança. O UltraSwim 33.3 oferece uma opção com hospedagem cinco estrelas, transporte e eventos sociais. Já o kit de participação da UTMB inclui checagem obrigatória de equipamentos, chips de cronometragem, pontos de apoio ao longo do percursos e mapas e serviços pós-prova.
Busque eventos voltados para iniciantes ou provas de swimrun para participantes em nível introdutório. Também vale a pena conversar com um treinador ou se juntar a um clube para ter apoio na preparação.